sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Ataque à Amazônia

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/bernardomellofranco/2017/08/1912826-ataque-a-amazonia.shtml

25/08/2017  02h00

Por Bernardo Mello Franco

BRASÍLIA - Ninguém foi avisado, ninguém foi consultado. A notícia chegou de surpresa, estampada no "Diário Oficial da União". O presidente Michel Temer extinguiu, por decreto, uma reserva mineral maior do que a Dinamarca. A área fica no coração da Amazônia, entre os Estados do Amapá e do Pará.

É uma região rica em ouro e cobre. Foi protegida pela ditadura militar, que não se destacava pela preocupação com o meio ambiente. Agora será entregue às mineradoras por um governo chefiado pelo PMDB.

A eliminação da reserva não é um risco apenas para a preservação da floresta. A liberação do garimpo pode contaminar rios, agravar conflitos fundiários e ameaçar a sobrevivência de povos indígenas. É o caso da comunidade Wajãpi, que só foi contatada pela Funai em 1973.

"Podemos assistir a uma nova corrida do ouro, como aconteceu em Serra Pelada", alerta o ambientalista Nilo D'ávila, diretor do Greenpeace. "O decreto abre espaço a uma ocupação desordenada e predatória em áreas de floresta", afirma.

O senador João Capiberibe, do PSB, descreve a medida do governo como uma "insensatez". "É a maior agressão que a Amazônia já sofreu", diz o amapaense. "O governo está entregando a reserva para um dos setores mais nocivos ao meio ambiente. É um ato de lesa-pátria", resume.

Nesta sexta, um conjunto de ONGs deve divulgar uma nota à imprensa internacional. O senador Randolfe Rodrigues, da Rede Sustentabilidade, vai recorrer à Justiça Federal para tentar sustar os efeitos do decreto. Ele descreve o fim da reserva como uma "catástrofe anunciada".

Anunciada, mas não isolada. Desde a posse de Temer, o governo avança em várias frentes contra a preservação das florestas. Nos últimos meses, editou a MP da Grilagem, propôs a redução de reservas e defendeu o afrouxamento das regras de licenciamento ambiental. "Estamos vivendo numa república ruralista. É desalentador", diz Nilo D'ávila, do Greenpeace.

domingo, 20 de agosto de 2017

Fanático não quer fazer valer um ideal, e sim purificar o mundo a ferro e fogo

Fonte: www1.folha.uol.com.br/colunas/lira-neto/2017/08/1911074-fanatico-nao-quer-fazer-valer-um-ideal-mas-purificar-o-mundo-e-dizimar-o-oponente.shtml

Por Lira Neto
20/08/2017  02h00

São apenas 136 páginas, o que pode fazer com que o pequeno volume passe despercebido, em meio à gôndola da livraria, ao olhar mais desatento. Colocada na prateleira, ladeada por outros lançamentos, a publicação também chama pouca atenção devido à lombada fina, de apenas um centímetro de largura.

A despeito disso, trata-se de um grande livro. Grande e necessário, deve-se realçar.

No momento em que assistimos, estarrecidos, às cenas de ódio racial em Charlottesville; no instante em que testemunhamos, envergonhados, um imigrante sírio vendedor de esfirras ser hostilizado por um brasileiro armado de pau em Copacabana; em um tempo no qual se vociferam, sem pudores, agressões e preconceitos nas redes sociais e nas caixas de comentários da internet; a leitura de "Mais de uma Luz: Fanatismo, Fé e Convivência no Século 21", de Amós Oz, torna-se imprescindível.

São três breves ensaios, escritos por um dos mais brilhantes e influentes escritores contemporâneos. No primeiro deles, Oz enfileira uma série de instigantes reflexões a respeito da intolerância tão presente em nossos dias. "O fanático nunca entra em um debate. Se ele considera que algo é ruim, seu dever é liquidar imediatamente aquela abominação", escreve o autor. "Todos os tipos de fanáticos tendem a viver num mundo em preto e branco. Num faroeste simplista de mocinhos contra bandidos. O fanático é na verdade um homem que só sabe contar até 1."

Segundo Oz, por várias décadas, a lembrança dos horrores provocados pelas múltiplas faces do extremismo ao longo do século 20 –dos gulags soviéticos aos campos nazistas de extermínio– fez com que os instintos dos maníacos ideológicos refluíssem e evitassem se declarar à luz do dia. "Durante algumas dezenas de anos, racistas se envergonhavam um pouco do seu racismo, quem estava cheio de ódio reprimia um pouco o seu ódio, e os redutos do fanatismo no mundo controlavam um pouco suas manifestações."

Com o esquecimento já pairando em torno das grandes e recentes tragédias humanas, aliado à cínica negação histórica dos males provocados por toda espécie de autoritarismo, abriram-se as comportas da desfaçatez e da fúria contra grupos socialmente vulneráveis. Em nosso caso específico, poderíamos enumerar negros, mulheres, indígenas, quilombolas, homossexuais, refugiados, migrantes e deserdados da terra em geral.

"A vacinação parcial que recebemos está se esgotando; ódio, fanatismo, aversão ao outro e ao diferente, brutalidade revolucionária, o fervor de 'esmagar definitivamente todos os malvados mediante um banho de sangue', tudo isso está ressurgindo", lamenta Amós Oz.

Afinal, para o olhar de antolhos do fanático, não se trata de fazer valer uma ideia ou um ideal, mas de querer purificar o mundo a ferro e fogo, exterminar a diversidade, converter os malditos infiéis e, constatado o fracasso prévio da "missão sagrada", dizimar o oponente.

O fanatismo produz a infantilização do debate. Em contrapartida, a infantilização do debate retroalimenta o fanatismo. Nesse quadro, o apagamento da fronteira entre política e entretenimento não é gratuita.

Oferecer respostas simplistas para problemas complexos faz parte do jogo sujo. Apontar determinado grupo como único culpado por todos os males do mundo ou de um país, idem. O culto à personalidade, o deslumbre pela celebridade, a busca pelo líder histriônico que salvará a pátria, mais ainda.

No segundo ensaio do livro, Amós Oz, que é judeu, disserta sobre o caráter do povo judaico e argumenta que todos os mandamentos que regem a fé e a cultura de sua gente poderiam ser resumidos em uma só sentença: "Não causarás a dor". Do mesmo modo, o humanismo que o autor professa estaria condensado no reconhecimento do direito à diferença.

"Somos diferentes uns dos outros não porque alguns de nós ainda não enxergam a luz, mas porque o que existe no mundo são luzes, e não uma só luz", propõe Oz, que no ensaio que fecha o volume critica o regime de opressão e o domínio israelense sobre os territórios ocupados na Palestina, propondo um acordo de concessões mútuas para se buscar alguma saída para o conflito na região. Algo que passaria, necessariamente, pelo reconhecimento da riqueza milenar da cultura muçulmana.

"O fanático é um ponto de exclamação ambulante. É desejável que a luta contra ele não se expresse como outro ponto de exclamação a enfrentar o primeiro", adverte Oz.

domingo, 13 de agosto de 2017

Charlottesville luta contra legado escravocrata dos EUA e atrai radicais

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/08/1909511-charlottesville-luta-contra-legado-escravocrata-dos-eua-e-atrai-radicais.shtml

HAWES SPENCER
SHERYL GAY STOLBERG
DO "NEW YORK TIMES", EM CHARLOTTESVILLE

13/08/2017  02h00

Um mês após um comício da Ku Klux Klan terminar com a polícia usando gás lacrimogêneo para conter os manifestantes e seus oponentes, Charlottesville, uma cidade universitária calma no meio do Estado americano da Virgínia, parece sitiada.

Centenas de pessoas acorreram para o protesto convocado por ultranacionalistas brancos contra a decisão de retirar de um parque local a estátua do general Robert E. Lee, que comandou os Estados Confederados contra o Norte abolicionista na Guerra Civil (1861-65), ou para se manifestar contra ele.

Charlottesville, que tem como peça central a Universidade da Virgínia, fundada em 1819 pelo presidente Thomas Jefferson (1801-09), é uma cidade de perfil progressista onde quase 80% do eleitorado votou na democrata Hillary Clinton nas eleições presidenciais do ano passado.

Mas é, também, uma cidade entranhada na história do Sul dos EUA que ainda luta contra o legado escravocrata.

Segundo Jalane Schmidt, professora de estudos religiosos na universidade, 52% dos moradores de Charlottesville e do condado onde ela está, ou 14 mil pessoas, foram escravos na Guerra Civil.

Jefferson, cuja propriedade rural ficava a poucos quilômetros dali e ainda é adorado pela população da cidade, também tinha escravos.

Hoje os afro-americanos perfazem 19% da população, e a gentrificação —que traz pessoas de maior renda para áreas antes degradadas ou esquecidas, empurrando os preços dos imóveis para cima— tem expulsado vários da cidade, diz Schmidt.

O embate sobre a estátua de Lee em um parque que levava seu nome e foi recentemente rebatizado como Parque da Emancipação reabriu velhas feridas e trouxe à tona a tensão racial latente.

Eugene Williams, 89, ex-líder do braço local na Associação Americana para o Progresso das Pessoas de Cor, um dos mais tradicionais grupos ativistas do país, ainda se lembra de quando não podia comer nos restaurantes da cidade. Ele é a favor da manutenção da estátua para que as pessoas se lembrem da segregação racial que vigorou ali.

"Esta estátua tem uma lição a nos ensinar", diz.

O embate atraiu a atenção de dois ultranacionalistas brancos que estudam na Universidade da Virgínia, Richard Spencer e Jason Kessler. Em maio, Spencer, que ganhou notoriedade após a eleição de Donald Trump, liderou uma manifestação com tochas em punho, um símbolo da perseguição aos negros, em torno da estátua equestre.

No protesto da Ku Klux Klan em 8 de julho, a polícia estadual usou gás-pimenta para dispersar a multidão.

Kessler, que organizou o ato deste sábado e se intitula um "defensor dos brancos", afirmou em entrevista que seu objetivo é "desestigmatizar a defesa das pessoas brancas para que elas possam lutar por seus interesses assim como qualquer outro grupo".

As autoridades municipais haviam negado permissão para o ato no parque. A Associação Americana para as Liberdades Civis (Aclu), porém, entrou com uma queixa em nome de Kessler para que ele pudesse manter sua manifestação conforme planejado.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

A evolução do 'Modelo Asiático'

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcostroyjo/2017/08/1908368-a-evolucao-do-modelo-asiatico.shtml

Por Marcos Troyjo
09/08/2017  02h00

Mercados cada vez mais protecionistas. Custos crescentes de mão de obra. Tais constatações —marcas da atual fase de desglobalização— estariam erodindo as bases da competitividade do Sudeste Asiático.

A retomada econômica do Japão após a Segunda Guerra Mundial, turbinada pelo Plano Marshall, gerou repetidos ganhos de produtividade e salários para os japoneses. Com o consequente aumento nos custos da mão de obra no Japão, nos últimos 40 anos transferiram-se empreendimentos para países mais tarde conhecidos como "tigres asiáticos".

Esta dinâmica fez da Ásia região especializada em "adaptação criativa" —que convidada a um perfil fortemente exportador. Nascia assim o chamado "Modelo Asiático".

Tal fórmula lograva basicamente produzir versões mais baratas —e muitas vezes mais eficientes— de tecnologias existentes, e alcançar excelência na exportação de produtos manufaturados.

Graças a esse modelo, os japoneses há um tempo tornaram-se os maiores exportadores de bens de capital para os EUA —posição em que foram ultrapassados recentemente pela China. Esta, por seu turno, é o principal destino de exportações de bens de capital de um outro ilustre intérprete do "Modelo", a Coreia do Sul.

Salta também aos olhos que outra interessante característica do Modelo Asiático: o desapego ao chamado "core business". A pujança de conglomerados multissetoriais é uma das principais marcas da economia sul-coreana, chinesa e japonesa. A sul-coreana Samsung tem hoje mais de 100 áreas de negócios. A BYD chinesa faz carros elétricos e telas de computador. A Mitsubishi japonesa produz foguetes especiais e automóveis de passeio.

A estratégia asiática foi, em verdade, interpretação específica de um modelo mais amplo, o da "Nação-Comerciante", que prioriza mercados externos e atração de investimentos estrangeiros diretos como principais trampolins para a prosperidade.

Este modelo, com suas adaptações pertinentes, também foi plenamente utilizado em países como Alemanha e Chile. Contrasta com o modelo de "Nação-Passivo", que privilegia mercado consumidor interno e proteção paternalista de indústrias locais, além de combinar baixas taxas domésticas de poupança e investimento.

Desnecessário dizer que o modelo de "Nação-Passivo" tem dominado a América Latina nos últimos setenta anos. Em comparação com o desempenho do Sudeste Asiático, os resultados latino-americanos são marcadamente insatisfatórios.

Em sua vertente asiática, tal modelo de maior inserção na economia global talvez não esteja acabando, mas evoluindo. Constitui-se ainda como grande instrumento gerador de excedentes. O investimento em Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) na Ásia e a subsequente expansão de patentes e exportações mais sofisticadas são boas provas de tal evolução.

Hoje a China já investe 2% de seu PIB em P&D, o Japão 3% e a Coreia do Sul 4% (o Brasil despende apenas 1%). Com essa importante base de capitais e conhecimentos alcançados, os países asiáticos encontram-se em melhor posição para moldar seu próprio futuro.

Nessa dinâmica, a grande extroversão chinesa ora em curso aproxima o país das experiências de Japão e Coreia do Sul.

Já outras nações da região, como Índia, Indonésia e Vietnã, passaram a crescer em moldes cada vez mais semelhantes aos que possibilitaram a grande arremetida chinesa. É dizer, convertem-se em "LCCs" (sigla em inglês para países de baixo custo) orientados às exportações.

Seja em sua versão mais rudimentar, seja na modalidade de maior valor agregado, o Modelo Asiático permanece —às vezes com enorme sacrifício sociopolítico— como a "fórmula aproximada" que mais produziu milagres econômicos nas últimas décadas.