sábado, 30 de dezembro de 2017

Número de moradores de rua dispara na capital da miséria dos Estados Unidos


Los Angeles registrou neste ano uma população de 58.000 pessoas sem teto, um aumento de 23%
Autoridades locais qualificaram situação de “emergência”

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/12/30/internacional/1514632186_267085.html

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Política externa de Trump deixa os EUA em último lugar

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1946566-politica-externa-de-trump-deixa-os-eua-em-ultimo-lugar.shtml

ANÁLISE

AARON DAVID MILLER
RICHARD SOKOLSKY
DO "WASHINGTON POST"

28/12/2017  12h00

Ao concluir o discurso sobre segurança nacional que pronunciou no começo do mês, o presidente Donald Trump descreveu seu objetivo de política externa como "celebrar a grandeza americana como um exemplo reluzente para o mundo".

Não exatamente.

No final de seu primeiro ano no posto, a abordagem do presidente quanto aos assuntos internacionais não se encaixa na narrativa apresentada em seu discurso e, em lugar disso, se alinha a seis componentes que demonstram a visão de mundo de Trump no exterior: política importa mais do que estratégia, ditadores valem mais que democratas, América em primeiro lugar ("America First", um de seus lemas na campanha), aversão a riscos, desconstrução e ego.

Isso não constitui uma doutrina claramente definida, mas os componentes apresentam uma certa coesão — ao menos na cabeça de Trump— e indicam de que maneira ele deve operar pelo resto de seu mandato.

*
AMÉRICA EM PRIMEIRO LUGAR

O ponto de partida de qualquer esforço para decodificar a política externa de Trump é compreender o que ele quer dizer com "América em primeiro lugar" —expressão que envolve menos um conjunto de regras do que um estado de espírito.

Na visão do presidente, os Estados Unidos vêm sendo prejudicados há anos por "acordos comerciais desastrosos", aliados parasitas e compromissos assumidos pela elite de Washington que arrastaram o país para guerras intermináveis e dispendiosas e para esforços de construção de nações que resultaram em uma deterioração da prosperidade americana, em um mundo selvagem e hostil como o que Trump descreveu em seu discurso de política externa.

A visão de mundo de Trump é bem parecida com a sua visão dos negócios —um jogo cruel em que, para que alguém ganhe, alguém precisa perder, os fracos existem para serem explorados, e só os fortes emergem como verdadeiros vencedores. Essas são opiniões que ele manteve por toda a vida; não são um arcabouço ideológico imposto a um presidente ingênuo em seu primeiro mandato por conta das manipulações de Steve Bannon.

América primeiro é só uma variação de Trump primeiro, e é por isso que a visão do presidente subordina o interesse nacional dos Estados Unidos a uma visão de mundo egoísta e singularmente inadequada diante dos complicados desafios que o país tem pela frente.

MAIS POLÍTICA QUE ESTRATÉGIA

Para compreender Trump, é útil vê-lo não como um presidente que chegou com uma proposta de política externa, mas como um estreante na política que está tentando fazer o papel de presidente na TV. Sua abordagem quanto à política externa é orientada pela necessidade de aplacar constantemente o eleitorado que o conduziu ao posto, e não necessariamente por metas que sirvam aos interesses estratégicos de longo prazo desses eleitores ou dos aliados dos Estados Unidos.

O guru ideológico do presidente, Steve Bannon, já não vive na Casa Branca, mas sua lista de tarefas —de "construir um muro na fronteira com o México e fazer com que o México pague por ele no futuro" a transferir a embaixada norte-americana em Israel de Tel Aviv para Jerusalém— continua a ser prioridade.

Em fevereiro, o senador Bob Corker, republicano do Tennessee, disse ao site Politico que "em dado momento", Trump e sua equipe "estavam preparados para transferir a embaixada" a Jerusalém "no minuto em que tomassem posse" —uma decisão que teria parecido arbitrária então e que continuou a sê-lo quando o presidente a anunciou este mês, contrariando os conselhos de diversos assessores.

O abandono imediato da Parceria Transpacífico por Trump; sua decisão arbitrária de deixar o acordo de Paris sobre o clima; e as diversas versões de sua restrição à entrada de cidadãos de diversos países muçulmanos nos Estados Unidos são valiosos como gestos na direção de sua base, mas não têm valor como estratégia.

A retórica de campanha do presidente e sua determinação de ser o anti-Obama até agora vêm predominando e, com a aproximação das eleições legislativas de 2018 e da eleição presidencial de 2020, devemos esperar que os impulsos políticos de Trump cada vez mais se sobreponham à governança —no país e no exterior.

O EGO PRESIDENCIAL

Tony Schwarz, que coescreveu "A Arte do Acordo" com o presidente, afirmou este ano ano que "o senso de valor próprio de Trump está sempre em risco".

O presidente é propelido por profundas inseguranças e por uma necessidade descomunal de adoração e de brilhar mais que os outros, que esteve visível em seu discurso de aceitação da candidatura republicana, quando ele declarou que "só eu serei capaz de consertar" os problemas do sistema americano.

Isso também ficou perceptível em seu discurso sobre segurança nacional, quando ele declarou que "por muitos anos, nossos cidadãos assistiram aos políticos de Washington presidindo a uma sucessão de decepções".

Ele se considera o maior negociador do planeta, mas aliados e adversários já sabem como lidar com o presidente: se você adular e festejar Trump —como os sauditas e israelenses fizeram em sua primeira visita ao exterior, e como os japoneses e chineses fizeram em sua primeira viagem à Ásia—, ele se mostra maleável. Como exemplos, basta citar sua disposição de ignorar o registro atroz da Arábia Saudita quanto aos direitos humanos e a campanha militar do país no Iêmen, sua falta de pressão sobre Israel quanto às atividades de colonização indesejáveis, e sua decisão de não pressionar o Japão e a China quanto ao comércio internacional.

TRUMP, O DESCONSTRUCIONISTA

Apesar de sua fama como construtor, Trump se mostrou muito mais capacitado no ramo da demolição e do desmonte, e dedicou muito de seu tempo a desmantelar o que foi construído por seus predecessores —especialmente Obama—, sem oferecer alternativas viáveis para substituição.

Um exemplo importante é o acordo nuclear com o Irã, que tem falhas, mas vinha funcionando e é bem melhor do que não haver acordo.

Trump não explica a lógica e nem oferece detalhes específicos para sustentar sua afirmação de que o acordo com o Irã é "incompreensivelmente ruim", e diplomatas experientes já perceberem que ele não é grande coisa em criar acordos. Se não fosse por subordinados de cabeça mais fria, como o secretário de Estado Rex Tillerson e o secretário da Defesa Jim Mattis, Trump talvez já tivesse abandonado o acordo (e pode ser que ainda venha a fazê-lo), o que permitiria que o Irã avançasse a todo vapor com suas ambições nucleares e isolaria os Estados Unidos dos demais signatários do tratado.

AVERSÃO A RISCOS

É irônico que, para um presidente que deseja desesperadamente parecer durão e forte, Trump seja tão cauteloso e tão avesso a riscos quanto seu predecessor, quando o assunto é usar o poderio militar dos Estados Unidos.

Ainda que seu governo tenha recentemente anunciado a venda de armas "letais" que haviam sido negadas à Ucrânia por muito tempo, desafiando a Rússia, Trump, quanto a essas questões, é mais uma cópia de Obama do que o anti-Obama.

Apesar de toda a retórica belicosa do presidente com relação à Coreia do Norte —"fogo e fúria", "armado e pronto para disparo" e assim por diante— ele ainda não ordenou ação militar; Trump retaliou ao uso de armas químicas pelas forças do presidente Bashar al-Assad, da Síria, com um ataque limitado por mísseis (ainda que ele, como Obama, dispusesse de opções muito mais robustas), e encampou discretamente a estratégia de Obama para combater o Estado Islâmico.

Quanto ao uso de força militar por Trump, há mais sinais vermelhos e amarelos do que sinais verdes. O mundo continua turbulento e imprevisível, mas Trump parece ter aceitado, pelo menos por enquanto, a posição das Forças Aarmadas, que veem a projeção do poderio militar dos Estados Unidos como instrumento a ser usado cuidadosamente, em busca de objetivos realistas.

Esperemos que esse continue a ser o caso com relação à Coreia do Norte —um cenário no qual o ego de Trump, sua irresponsabilidade, a situação política interna dos Estados Unidos e a impulsividade de Kim Jong-un podem se combinar para criar uma catástrofe.

DITADORES DE PREFERÊNCIA A DEMOCRATAS

A nova linha de segurança nacional do governo define China e Rússia como "competidores" e promete reação mais vigorosa aos seus esforços para desordenar o status quo mundial.

Talvez o presidente tenha tido uma epifania sobre os dois principais rivais geopolíticos dos Estados Unidos, mas a retórica hostil é contraditada por sua simpatia para com os ditadores desses dois países, o presidente Xi Jinping e o presidente Vladimir Putin.

Parece cada vez mais provável que ele aja contra a China no campo comercial, com medidas antidumping e retaliações contra os chineses pelo roubo de propriedade intelectual, mas a Rússia continua a receber passe livre.

A preferência de Trump pelos ditadores é evidenciada por seu tratamento preferencial aos ditadores responsáveis por violações dos direitos humanos na Arábia Saudita, Egito, Filipinas e Turquia, enquanto ao mesmo tempo agride verbalmente líderes democráticos, entre os quais a primeira-ministra alemã Angela Merkel, cuja política para com os refugiados ele descreveu como "erro catastrófico"; e o presidente sul-coreano Moon Jae-in, que ele acusou de "apaziguamento" dos norte-coreanos em um rompante no Twitter.

Trump merece crédito por ter desferido um golpe fatal contra os territórios conquistados pelo Estado Islâmico no Iraque e na Síria —sua única realização elogiável até agora, no campo da segurança nacional. Mas o padrão pelo qual a política externa de Trump deve ser julgada não é seu sucesso em resolver os problemas complicados do planeta.

A questão é determinar se sua abordagem poderá administrar os desafios que os Estados Unidos são incapazes de resolver de maneira que promova nossos interesses e ao mesmo tempo evite crises internacionais, a exemplo de escaladas nos conflitos com o Irã e, especialmente, a Coreia do Norte, que poderiam prejudicar esses interesses de maneira irreparável.

Passado quase um ano, o histórico de Trump não inspira confiança. Sua visão de mundo não promove uma calibragem cuidadosa dos meios e objetivos, e tampouco define os verdadeiros interesses nacionais dos Estados Unidos, e faz deles prioridades. Em lugar disso, é provável que o presidente coloque os interesses americanos em último, e não primeiro, lugar, quanto a diversas questões críticas para a prosperidade e segurança do país em longo prazo.

AARON DAVID MILLER é vice-presidente do Woodrow Wilson Center e foi analista e negociador no Departamento de Estado, em governos republicanos e democratas.

RICHARD SOKOLSKY é pesquisador do Carnegie Endowment for International Peace, e foi integrante do Escritório de Planejamento Estratégico do Departamento de Estado entre 2005 e 2015.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

domingo, 24 de dezembro de 2017

Queda do Estado Islâmico redesenha Oriente Médio

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1945765-queda-do-estado-islamico-redesenha-oriente-medio.shtml

IGOR GIELOW
DE SÃO PAULO

24/12/2017  02h00

Encruzilhada estratégica mais turbulenta do mundo, o Oriente Médio terá um ano de definições em 2018. No centro do seu redesenho está o Irã, que avança como principal ator regional, e o papel que tanto EUA como a ressurgente Rússia terão em relação às ambições de Teerã.

Não é casual que autoridades americanas tenham escalado neste mês o tom das acusações contra os iranianos, como no caso dos mísseis que o país fornece para rebeldes xiitas no Iêmen. E que Vladimir Putin aja como mediador regional com desenvoltura.

São movimentos que ecoam 2017, o ano que deu ao Oriente Médio "um novo e radical desenho", nas palavras de George Friedman, papa da geopolítica americana e dono da consultoria Geopolitical Futures.

ESTADO ISLÂMICO

O Estado Islâmico, mais recente encarnação do extremismo sunita, foi derrotado em sua ambição territorial na Síria e no Iraque. "É o fato mais importante do ano, um ponto de mudança. Os extremistas permanecerão, mas não como califado", disse Elizabeth Marteu, especialista em Oriente Médio do escritório do Bahrein do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos.

A derrota militar, ainda que o grupo siga como referência para terroristas, deu musculatura à influência iraniana. No Iraque, apesar do apoio americano, unidades do Exército são controladas por Teerã, e na Síria operam tropas irregulares e prepostos do Hizbullah libanês.

IÊMEN E QATAR

Após ter sua expansão regional bloqueada pela guerra Irã-Iraque (1980-88), Teerã voltou a se mover em latitudes mais distantes. No Iêmen, o apoio aos rebeldes houthis, xiitas como os iranianos, virou um espinho para a sunita Arábia Saudita —que desde 2015 tenta derrotá-los com uma campanha aérea.

Também no Golfo, a proximidade entre o Irã e o Qatar gerou um bloqueio de países aliados a Riad contra o pequeno emirado. O país gastou US$ 38,5 bilhões em reservas e, até aqui, manteve sua economia funcionando.

SÍRIA

Com o EI em fuga, resta achar uma saída para o conflito entre o regime do ditador Bashar al-Assad e as forças rebeldes ora enfraquecidas. Dois anos de intervenção de Moscou e de Teerã viraram o jogo em favor de Damasco. Zonas de "de-escalada" (distensão) são negociadas entre Irã, Turquia e Rússia, e podem sugerir o fatiamento do país em linhas étnico-confessionais.

CURDOS

Na Síria, grupos apoiados pelos sauditas e pelo Ocidente estão em baixa, exceto os curdos do norte do país, que buscam autonomia semelhante àquela que os do Iraque tinham até sofrerem intervenção neste ano. É uma costura complexa, dado que a Turquia não quer ver aspirações nacionais entre a etnia que tem grande população em seu próprio território.

ARÁBIA SAUDITA

País líder do mundo sunita, ramo majoritário do islã, a Arábia Saudita passa por turbulência e parece incapaz de fazer frente ao avanço dos rivais xiitas do Irã. Está atravessando um processo de expurgo liderado pelo príncipe herdeiro Muhammad bin Salman, o MBS, 32.

No Iêmen, sua intervenção não desalojou os houthis. O Qatar resiste ao embargo. Para piorar, apesar das promessas de apoio, há dúvidas sobre a disposição de Donald Trump em acionar o guarda-chuva militar contra o Irã.

O petróleo do qual Riad é líder mundial está barato e vê fontes alternativas de energia se multiplicarem, a começar pela produção dos próprios Estados Unidos.

EGITO

No adjacente norte da África, o Egito estabilizou-se após a convulsão pós-Primavera Árabe, em 2011. O regime de Abdul Fattah al-Sisi se aproxima de Moscou, no vácuo de liderança de Trump, e não será surpresa ver caças russos atacando alvos na anárquica vizinha Líbia com apoio egípcio.

ISRAEL

Com tantas crises regionais, Israel ficou em relativo segundo plano em 2017 —até que Trump resolveu enfatizar aquilo que seus antecessores já haviam feito, dizendo reconhecer Jerusalém como capital do país.

Até aqui, é incerto se haverá mesmo uma nova revolta palestina, mas Irã e Turquia já estão tirando proveito político do fato.

LÍBANO

Muito influenciado pelo Irã, pela presença do Hizbullah, o Líbano foi alvo de Riad com a fracassada renúncia do premiê Saad Hariri, aliado dos sauditas. "Enquanto o risco de confronto no sul da Síria é real, Israel vai pensar duas vezes antes de entrar em guerra no Líbano. Não agirá em favor dos sauditas", avalia a francesa Marteu.

PAPEL DAS POTÊNCIAS

O próximo ano também servirá para confirmar ou desafiar a noção corrente de desembarque de Washington da região, testando por exemplo se as falas duras contra Teerã são pura retórica.

A incoerência estratégica americana dos anos recentes levou o Irã a herdar os frutos da guerra travada por Washington no Iraque e abriu as portas para Putin construir uma agenda externa altamente popular em casa.

O Kremlin está expandindo seu papel ao manter suas bases na Síria, conversar com o Egito e negociar termos de cooperação com os sauditas. Isso tendo o Irã como seu aliado preferencial, num acerto que agora inclui também a Turquia —um membro da Otan, aliança militar liderada pelos EUA, por sinal.

Historicamente, Moscou é rival tanto de Teerã quanto de Ancara, temendo a influência dos dois países sobre as populações muçulmanas no Cáucaso russo. "A relação russo-iraniana é um casamento de conveniência, mas deve continuar no futuro próximo", disse o analista Trita Parsi, do Conselho Nacional Iraniano Americano.

O balé geopolítico com o Irã ao centro também tem fundo religioso, já que encarna a disputa entre o sunismo majoritário liderado pela Arábia Saudita e o xiismo minoritário centrado em Teerã.

Para o iraniano Parsi, contudo, "isso não ajuda tanto a entender o que ocorre na área, já que o que a Arábia Saudita quer mesmo é forçar a volta militar dos EUA à região, porque ela não tem força para enfrentar o Irã".

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Descoberto por acidente, vidro é capaz de se consertar sozinho em 30 segundos

Fonte: http://m.folha.uol.com.br/ciencia/2017/12/1944847-descoberto-por-acidente-vidro-e-capaz-de-se-consertar-sozinho-em-30-segundos.shtml

DA BBC BRASIL
20/12/2017 17h00

Nem sempre um aparelho celular sai ileso de uma queda. A tela, uma das mais frágeis partes dos equipamentos eletrônicos, é a que mais corre risco de ser danificada.

Mas uma equipe de pesquisadores japoneses parece ter encontrado a solução para o problema da tela quebrada.

Liderados pelo professor Takuzo Aida, do departamento de química e biotecnologia da Universidade de Tóquio, os pesquisadores criaram um novo tipo de vidro que tem capacidade de se consertar sozinho.

A invenção tem potencial para ser usada não apenas em telas de celular mas também em outros dispositivos frágeis. O vidro é feito a base de um polímero leve que recompõe suas próprias rachaduras.

A diferença desse em comparação com outros materiais criados anteriormente que se consertam sozinhos é que o polímero não precisa ser submetido a temperaturas de cerca de 120°C para reorganizar a própria estrutura molecular.

Ele se conserta simplesmente ao ser pressionado manualmente durante 30 segundos, a uma temperatura de 21ºC.

DESCOBERTA ACIDENTAL

As incríveis propriedades desse material foram descobertas por um estudante de pós-graduação. Yu Yanagisawa trabalhava na criação de uma cola e, sem querer, cortou a superfície do polímero.

Ele quase não teve tempo de lamentar pelo acidente porque, rapidamente, se deu conta que as bordas da superfície que foram quebradas se "regeneraram".

Yanagisawa repetiu o processo e descobriu que o vidro não apenas se consertava sozinho mas também recuperava sua firmeza original em duas horas.

O estudo foi publicado na revista científica "Science".

"Espero que vidro que se conserta sozinho seja um novo material ambientalmente amigável, que não precisa ser descartado quando quebra", afirmou Yanagisawa à emissora japonesa NHK.

2017, o ano em que a China se firmou como superpotência

Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcostroyjo/2017/12/1944753-2017-em-que-a-china-se-firmou-como-superpotencia.shtml

20/12/2017  02h00
Por Marcos Troyjo

A China, goste-se ou não, continua a crescer muito forte. Não mais a taxas de 12%, como há 15 anos, mas alguma coisa entre 6,5% e 7% a partir de uma base de 13 trilhões de dólares.

De acordo com cálculos do FMI, que às vezes mede o PIB dos países pelo critério de poder de paridade de compra, a China já é a maior economia do mundo, o que significa um eclipse tão importante nas relações econômicas internacionais que a última vez que a gente tinha observado alguma coisa semelhante foi 1871, quando os EUA ultrapassaram o Reino Unido.

Neste 2017 que termina, reforça-se uma outra constatação: os Estados Unidos não são mais hegemônicos. São protagonistas, mas ostentam tal condição ladeados pela China. Tem gente que brinca que não se pode mais falar em "Brics", mas em mais 'C + bris".

Os chineses estão tomando muito cuidado para que sua indiscutível categoria de superpotência não lhes suba à cabeça. Buscam não demonstrar estrelismo, sem tentar impor liderança, por exemplo, naquelas instituições que foram criadas pelos Brics.

Fazem isso de maneira muito sutil. É o caso do Novo Banco do Desenvolvimento (NBD) e também de outras instituições onde os chineses são o principal ator, como o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura.

Algo que nos ajuda a explicar essa postura chinesa está presente numa frase famosa do Deng Xiaoping, grande arquiteto dessa nova fase da China há 40 anos: "hide your strengths, bite the bullet, gain time". Ou seja, esconda suas forças, engula sapos, aceite passar por dificuldades, ganhe tempo.

Quer dizer, os chineses estão em uma estratégia de longuíssimo prazo, em que a ascensão precisa ser vista mais como natural do que imposta. Eles gostam muitas vezes de aparecer como país em desenvolvimento, não se desvinculando, por exemplo, na ONU, da agenda dos africanos ou da Ásia mais pobre.

Quanto mais países possam se vincular institucionalmente a processos em instituições pluri ou multilaterais onde a liderança chinesa é potente, isso é melhor para a Pequim. Isso é especialmente interessante debaixo do guarda-chuva do NBD, pois isso dá à China um veículo que não tem as mesmas amarras geográficas a que se prende o Banco Asiático de Infraestrutura e Investimento.

O Banco Asiático só vai fazer investimentos na Ásia, ao passo que o Novo Banco de Desenvolvimento pode investir em projetos na América Latina, na África, em outras localidades, o que dá à China não só maior espaço de manobra, mas também uma certa indireção que eles tanto apreciam em sua cultura como na política externa.

O que essa China superpotência quer com o Brasil? Bem, o mais correto é notar que as relações econômicas bilaterais passam por um momento inercial.

Do ponto de vista comercial, continua muito parecida com aquela que os países latino-americanos mantinham com a Inglaterra no século 19. Ou seja, por uma lado, grande exportadores de matérias-primas; por outro, um exportador de bens manufaturados de mais valor agregado.

Isso deve continuar. A China tem enormes preocupações com segurança alimentar, precisa mais ainda das commodities minerais para seus projetos de infraestrutura.

O que seguramente foge da inércia é aumento perceptível do investimento chinês no Brasil, sobretudo na forma de aquisição de bens, como as chamadas "fusões e aquisições".

Para empresas chinesas que quiseram ter uma pegada global durante um período recente, o momento para a investida é agora. E os chineses vão entrar com tudo também nessa dinâmica de privatizações e concessões, sobretudo quando ficar claro qual será o cenário político brasileiro a partir das eleições de 2018.

Eles estão com o dedo no gatilho para mais investimentos no Brasil em várias áreas, praticamente todo o segmento da infraestrutura está sendo examinado pelos chineses.
Congresso do Partido Comunista chinês

No âmbito da geopolítica global, não é correta a interpretação de que a consagração de Xi Jinping na China em 2017 simplesmente responde à chegada ao poder de Donald Trump.

Mesmo se Hillary Clinton fosse eleita presidente, todos teriam de reconhecer que a China se consolida como uma das duas maiores potências do mundo —e a hipertrofia do poder chinês é perceptível em diversas áreas das relações internacionais.

A China está aumentando muito sua função como fonte irradiadora de capital e de empréstimos externos. Pequim também expande seus investimentos em 12% ao ano na área de defesa.

Tudo isso independe de quem está no poder nos EUA. Agora, é claro, isso foi ainda mais realçado pelo fato de que essa ascensão chinesa se deu contemporaneamente à chegada à Casa Branca de um presidente protecionista, avesso à globalização.

Se a globalização foi o grande trampolim que permitiu essa prosperidade da China e o livre comércio supostamente é a melhor saída para os problemas internacionais, os EUA entraram na contramão de tendência. Nesse empalidecimento da hegemonia norte-americana, 2017 foi marco definitivo de que a China tomou assento à mesa dos que comandam o mundo.

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Plano de segurança de Donald Trump ataca China e Rússia e ignora clima

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1944348-plano-de-seguranca-de-donald-trump-ataca-china-e-russia-e-ignora-clima.shtml

ESTELITA HASS CARAZZAI
DE WASHINGTON

18/12/2017  19h40

Em um documento que consolida a retórica de campanha da "América em primeiro lugar", o presidente Donald Trump lançou nesta segunda (18) a Estratégia de Segurança Nacional de sua gestão, atacando China e Rússia como rivais econômicos e políticos, além de retirar o aquecimento global da lista de ameaças e fortalecer o ataque à imigração ilegal.

"Nós não vamos mais tolerar o abuso comercial. [...] Nós nos defenderemos por nós e pelo nosso país, como nunca antes", declarou Trump, durante o lançamento do plano.

O documento aborda com ênfase inédita a soberania econômica dos Estados Unidos, ao afirmar que China e Rússia "desafiam o poder, a influência e os interesses americanos" e tentam "erodir a segurança e a prosperidade" do país.

Em discurso, Trump deu destaque à necessidade de proteger o emprego do trabalhador americano, revitalizar a indústria e acabar com acordos comerciais "desastrosos", que deram "lucros maciços a nações estrangeiras, mas levaram milhares de fábricas e empregos americanos a outros países".

"Segurança econômica é segurança nacional", afirmou o presidente. "O crescimento econômico e a prosperidade interna são absolutamente necessários para o poder americano."

A revisão de acordos comerciais e o fortalecimento da economia doméstica dos Estados Unidos são alguns dos destaques do plano.

Em clima de Guerra Fria, tanto China quanto Rússia são chamados de "poderes revisionistas" e estão listados entre os rivais políticos, econômicos e militares dos Estados Unidos.

"China e Rússia querem moldar um mundo antitético aos valores e interesses americanos", informa o documento.

A China, segundo o plano, expandiu seu poder "à custa da soberania de outros", com base em um sistema autoritário e com abuso da corrupção e da vigilância. Já a Rússia, com "ambição e crescente poderio militar", buscaria "enfraquecer a influência mundial dos Estados Unidos e separar o país de seus aliados".

MEIO AMBIENTE

Pela primeira vez nos últimos anos, a estratégia americana não inclui o aquecimento global como uma ameaça à segurança nacional.

No discurso desta segunda, Trump fez apenas uma rápida menção ao "injusto" Acordo de Paris, do qual os Estados Unidos se retiraram em junho.

Em 68 páginas, o novo plano de segurança nacional só cita a palavra "clima" quatro vezes, três delas para falar de um "clima favorável aos negócios".

A quarta citação é no trecho sobre soberania energética, que sustenta que os Estados Unidos buscarão formas de energia alternativa em função de preocupações climáticas, mas que precisam combater a "agenda anticrescimento".

IMIGRAÇÃO

O plano também repisa a promessa de construção do muro na fronteira com o México e reforça as leis de imigração, estabelecendo que imigrantes ilegais serão apreendidos e removidos do país.

"Vamos reafirmar esta verdade fundamental: uma nação sem fronteiras não é uma nação", discursou Trump.

O presidente também estabeleceu o desenvolvimento de uma proteção antimísseis, em função das recentes ameaças da Coreia do Norte.

Sobre as relações com a América Latina, o documento destaca novamente a influência da China na região, por meio de investimentos estatais e empréstimos do governo, enquanto a Rússia continuaria "fortalecendo radicais cubanos" e apoiando o regime ditatorial na Venezuela.

O governo americano promete isolar governos que se recusem a promover a paz e a prosperidade, além de continuar compartilhando informações que levem à punição de traficantes e corruptos pelas autoridades locais —como ocorreu na Operação Lava Jato.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Deram um tiro no peito da internet. Ela vai sobreviver; mas não será a mesma


Fonte: https://super.abril.com.br/blog/bruno-garattoni/deram-um-tiro-no-peito-da-internet-ela-vai-sobreviver-mas-nao-sera-a-mesma/

Por Bruno Garattoni - Publicado em 15 dez 2017


Como você talvez saiba, ontem a Federal Communications Commission, a Anatel dos EUA, decidiu acabar com a chamada “neutralidade da rede”: princípio que obrigava os provedores de internet a tratarem igualmente todos os dados, sem poder discriminar ou privilegiar nada do que passa por suas redes. Os deputados e senadores americanos, que trabalharam a favor da medida, receberam mais de US$ 100 milhões em doações das empresas de telecomunicações, as grandes beneficiadas dessa história (não é só no Brasil, veja você, que corporações compram as graças dos políticos). O fim da neutralidade é a maior mudança da história da internet – que, ao longo dos próximos anos, poderá se transformar em algo radicalmente diferente. E não para melhor.



Porque, a partir de agora, as telecoms passam a ser donas da internet. Elas decidem o que cada pessoa poderá acessar, como e quantas vezes fará isso. E, ao exercer esse poder, controlam o destino da rede. Suponha, por exemplo, que você tenha uma cota de dados para usar durante o mês – como já acontece nos planos de celular, e as telecoms desejam fazer com a banda larga fixa. Só que determinados sites e apps não contam, ou seja, você pode usá-los à vontade sem descontar da sua franquia de dados. De quebra, eles abrem muito mais rápido. É lógico que você irá acessar esses sites e apps, e não outros. E isso tem uma consequência econômica óbvia. As empresas de internet que fizerem acordos com as telecoms, pagando o que elas pedirem (e obedecendo às condições que elas impuserem), irão prosperar; as outras, definhar e sumir.



Mas que mal tem isso?, você pode perguntar. Afinal, vivemos no capitalismo, e as telecoms têm direito de cobrar pelo uso das suas redes, nas quais investiram dezenas de bilhões de dólares. Gigantes como Google, Facebook, Amazon e Netflix têm dinheiro de sobra para pagar. Do outro lado, os usuários que quiserem adquirir novos tipos de acesso à internet (como uma conexão que priorize a velocidade dos vídeos, por exemplo) terão acesso a eles. E assim, pela magia da liberdade econômica, a inovação florescerá e todos sairão ganhando. 



Na prática, não será bem assim. Por um motivo simples: o setor de telecomunicações é naturalmente concentrado. Quantas empresas oferecem banda larga na sua rua? Uma, duas, provavelmente no máximo três. Com o celular acontece a mesma coisa, não? É assim porque os investimentos necessários para construir as redes são muito altos, e porque a própria infraestrutura limita o número de players (o espectro eletromagnético só comporta um determinado número de operadoras; os postes das ruas, certa quantidade de cabos). Com poucas empresas competindo, cada uma se torna desproporcionalmente poderosa. Foi por isso que, no começo de 2015, os EUA criaram regras para garantir a neutralidade da rede – um ano depois do Brasil, que em 2014 fizera o mesmo ao aprovar o Marco Civil da Internet. A legislação americana acaba de cair; a do Brasil, bem como a de outros países, deve seguir o mesmo caminho.



E a tendência, como em todos os setores econômicos, é que a concentração aumente. Sabe quando você vê, no noticiário, que duas grandes empresas se fundiram ou uma comprou a outra? Só no ano passado, foram mais de 7.000 fusões e aquisições entre grandes empresas, com valor combinado de US$ 2,4 trilhões. É provável que, daqui a alguns anos, existam ainda menos empresas de telecomunicações do que hoje – e as que sobrarem sejam ainda maiores.  



Google, Facebook, Amazon e Netflix vão fazer acordos com as novas donas da internet. Uns se conformarão em ter menos lucro, outros repassarão o gasto aos usuários (nós). Mas continuarão funcionando, talvez até melhor. O problema é que, daí para a frente, qualquer aplicativo, site ou serviço que for inventado estará imediatamente em desvantagem – porque seus criadores não conseguirão dar tanto dinheiro às telecoms quanto os quatro gigantes. E as pessoas não conseguirão acessar, e usar, aquele app ou site da mesma forma.



Para as startups, a única maneira de sobreviver e ter sucesso será se aliar a um dos quatro. O tráfego (e o faturamento) da rede, que nos últimos anos já foi ficando altamente concentrado, será mais concentrado ainda. Num segundo momento, as telecoms começarão a absorver os próprios produtores de conteúdo, como sites e empresas jornalísticas, num processo de hiperconsolidação (que já está começando nos EUA). Medidas que hoje soam absurdas, como vetar acesso a certas coisas ou restringir a navegação a pacotes de conteúdo, como numa assinatura de tv a cabo, se tornarão plausíveis. Algum tempo depois, serão a norma.



E a internet, que foi projetada para ser imune a qualquer tentativa de controle, terminará nas mãos de meia dúzia de empresas. A rede global descentralizada e indestrutível, criada para resistir até a uma guerra nuclear, terá sucumbido a algo mais prosaico: o desarranjo nas relações entre a política, o dinheiro e o poder.

Guerra no Iêmen leva Irã, Arábia Saudita e EUA para beira do precipício

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/patriciacamposmello/2017/12/1943384-guerra-no-iemen-leva-ira-arabia-saudita-e-eua-para-beira-do-precipicio.shtml

15/12/2017  02h10
Por Patricia Campos Mello

O risco de um confronto entre os Estados Unidos e o Irã atingiu o "nível crítico", segundo o centro de resolução de conflitos International Crisis Group (ICG).

O ICG desenvolveu uma ferramenta chamada "Lista de gatilhos Irã-Estados Unidos", que monitora e tenta medir a probabilidade de choques entre os dois países e seus aliados. No momento, o Iêmen é o maior fator de risco para um choque entre EUA e Irã, atingindo nível crítico (a escala vai do risco mais alto, crítico, e passa por severo, substancial, moderado e baixo).

O relatório do ICG, divulgado na quinta-feira (14), aponta que a escalada no conflito no Iêmen - rebeldes houthis apoiados pelo Irã lutam contra o governo do presidente Abed Rabbo Mansour Hadi, com apoio da Arábia Saudita, que, por sua vez, é aliada dos Estados Unidos - tem grande probabilidade de evoluir para um confronto intencional ou acidental, direto ou indireto entre os iranianos e os americanos.

O Iêmen vive uma guerra civil desde 2015, com mais de 10 mil mortos. As tensões entre Irã e Arábia Saudita se exacerbaram no dia 4 novembro deste ano, quando houthis no Iêmen lançaram um míssil balístico de longo alcance contra a capital saudita, Riadh. Foi o ataque que chegou mais perto de atingir um grande centro urbano no país.

A Arábia Saudita afirmou que o Irã havia fornecido o míssil para os rebeldes e classificou o ataque como "ato de guerra". O ataque também mostrou que outros países do Golfo, aliados dos sauditas, estão no alcance de possíveis mísseis lançados pelos houthis.

Nesta quinta-feira, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, convocou uma entrevista coletiva e mostrou o que chamou de "provas irrefutáveis" de que o Irã forneceu aos houthis o míssil lançado contra Riadh, além de outros armamentos.

"É difícil achar algum conflito ou facção terrorista no Oriente Médio que não tenha as impressões digitais do Irã", disse Haley, ao mostrar restos chamuscados de um míssil, que seria aquele disparado contra o aeroporto em Riadh, além de um drone e armamentos anti-tanques recuperados no Iêmen pela Arábia Saudita.

A embaixadora acusou o Irã de desrespeitar resoluções da ONU que proíbem o fornecimento de armas para os rebeldes no Iêmen.

"Vocês verão que nós vamos construir uma coalizão para contra atacar o Irã", disse.
A missão do Irã na ONU afirmou que as acusações dos EUA eram "irresponsáveis, provocadoras, destrutivas e fabricadas".

Haley acusa o Irã de fornecer armas também para Síria e Líbano.

Ela exortou o Conselho de Segurança da ONU a impor sanções contra o Irã, apontando que o país, caso comprovado o auxílio aos houthis, teria violado resoluções do órgão.

Mas a Rússia e a China, membros permanentes do CS e, portanto, com poder de veto, dificilmente aprovariam essas sanções contra o Irã.

A acusação de Haley abre caminho para um possível ataque dos EUA a alvos houthis dentro do Iêmen - o que poderia gerar um aumento do apoio dos iranianos aos rebeldes ou retaliações de milícias xiitas contra forças americanas na Síria ou Iraque.

Segundo o ICG, não está clara a magnitude do apoio do Irã aos houthis e se Teerã tem poder de controlá-los, uma vez que os rebeldes já ignoraram sugestões iranianas no passado. "Isso significa que o Irã pode pagar um preço por ações de um grupo aliado que não controla", diz o relatório do grupo.

Além da crise do Iêmen, há vários outros focos de atrito entre o Irã e os EUA e seus aliados. Em outubro, o presidente Donald Trump recusou-se a certificar que o Irã vinha cumprindo os requisitos do acordo nuclear assinado em 2015. Segundo ele, o acordo é falho, porque suas exigências começam a vencer a partir de 2020 e o tratado não aborda questões como a influência do Irã da região e o programa de mísseis do país. Mas em vez de imediatamente rasgar o acordo e impor sanções, ele incumbiu o Congresso de achar alguma solução, seja por meio de imposição de novas sanções ou de medidas que prevejam um gatilho para imposição de penalidades.

As tensões entre milícias apoiadas pelo Irã na Síria e Iraque e forças americanas também crescem, na medida em que o inimigo comum, o Estado Islâmico, vai saindo da jogada.

Os iranianos acham que a Arábia Saudita, os Emirados Árabes e Israel estão em conluio para acirrar os conflitos da região e empurrar EUA e Irã para um confronto

quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

Armas dos EUA ajudaram EI na 'revolução industrial do terrorismo'

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1943357-armas-dos-eua-ajudaram-ei-na-revolucao-industrial-do-terrorismo.shtml

ALEX HORTON
DO "WASHINGTON POST"

14/12/2017  18h46

O Estado Islâmico pode se destacar por sua brutalidade no Iraque e na Síria, onde organizou massacres de civis e atentados com homens-bomba e explodiu residências com milhares de explosivos improvisados. Mas um novo relatório, que levou três anos em elaboração, descreve o grupo como hábeis fabricantes e planejadores logísticos que movimentaram armas, munições e materiais para a fabricação de bombas por toda a zona de guerra, em uma escala sem precedentes para uma organização terrorista.

O grupo de rastreamento de armas Conflict Armament Research (CAR), sediado no Reino Unido, documentou mais de 40 mil armas de fogo e munições em todo o Iraque e a Síria, enviando investigadores em campo em um arco que vai da cidade de Kobane, no norte da Síria, ao sul de Bagdá, a capital iraquiana –um desenho aproximado do percurso do Estado Islâmico para conquistar amplas áreas de território e estabelecer seu califado.

O relatório, que os pesquisadores chamam de o mais abrangente até hoje sobre como o EI obteve e remeteu suas armas, foi publicado na quinta-feira (14) e poderá se tornar um instrumento vital para se compreender a eficácia mortífera industrial do grupo terrorista. Aqui estão alguns exemplos:

– O EI usou foguetes fornecidos pelos EUA –possivelmente violando acordos com os fabricantes de armas.

Como relatou "The Washington Post" em julho, o governo Trump pôs fim a uma operação secreta da CIA para armar rebeldes sírios moderados que combatiam o presidente Bashar al Assad. Poucos detalhes sobre que armas eles receberam são conhecidos pelo público, mas os pesquisadores encontraram diversos foguetes no Iraque que parecem ter sido comprados pelos EUA e fornecidos a grupos sírios.

Em um caso, foguetes PG-9 de 73mm, vendidos por fabricantes romenos ao Exército dos EUA em 2013 e 2014, foram encontrados espalhados em ambos os campos de batalha.

Contêineres com números de lotes iguais foram encontrados no leste da Síria e recuperados em um comboio do EI na cidade iraquiana de Fallujah, diz o relatório. Os foguetes, adaptados pelo EI para usar em seus lançadores, deu aos militantes uma arma potente contra os tanques e Humvees blindados fornecidos pelos EUA.

Registros obtidos pelo CAR de autoridades romenas incluem acordos indicando que os EUA não reexportariam essas e outras armas, como parte da tentativa de conter o tráfico de armas. A Arábia Saudita foi outra fonte de transferências de armas não autorizadas para a Síria, diz o relatório.

O documento afirma que o governo americano não respondeu a pedidos para rastrear estas e outras armas documentadas pelo CAR. Um porta-voz do Departamento da Defesa não respondeu aos pedidos de comentários.

– O EI levou apenas algumas semanas para pôr as mãos nos mísseis antitanques americanos.

Em 12 de dezembro de 2015, a Bulgária exportou tubos lançadores de mísseis antitanques para o Exército americano por meio de uma companhia sediada em Indiana chamada Kiesler Police Supply.

Cinquenta e nove dias depois, a polícia federal do Iraque capturou os restos de uma dessas armas depois de uma batalha em Ramadi, no Iraque, segundo o relatório.

Em outro caso, um grupo rebelde apoiado pelos EUA na Síria foi fotografado usando um tubo lançador com um número de lote idêntico, indicando que provavelmente veio da mesma remessa, segundo o relatório.

O episódio ilustra quão rapidamente as armas fornecidas pelos EUA podem ser voltadas contra seus aliados, remodelar um campo de batalha e representar perigo para as pequenas equipes de tropas especiais dos EUA que habitualmente viajam em veículos despreparados para suportar armas antitanques.

– Operações e experimentação em escala industrial foram chaves para espalhar morte e medo.

Os investigadores do CAR notaram que materiais como pasta de alumínio e outros precursores químicos da Turquia usados para fazer cargas de morteiros e foguetes foram encontrados em Tikrit, Mossul, Fallujah e outros locais no Iraque.

Isso significa uma robusta operação logística para entregar matérias-primas a pesquisadores e engenheiros do EI utilizando máquinas industriais e produzindo componentes para munições, diz o relatório.

"Isso confirma minha teoria de que esta é a revolução industrial do terrorismo", disse recentemente Damien Spleeters, diretor de operações do CAR no Iraque e na Síria, à revista "Wired". "E para isso eles precisam de matérias-primas em quantidades industriais."

Os militantes também modificaram alguns foguetes disparados do ombro usando materiais para reduzir a gravidade do calor dos lançamentos de foguetes, que é perigoso em espaços urbanos fechados, relatou a "Wired".

– A propaganda do EI mostrando rifles americanos foi exagerada.

Vídeos e imagens de pequenas armas feitas pelos EUA capturadas pelo EI, especialmente rifles de serviço M16 e M4, são apresentados com destaque em vídeos de propaganda para divulgar a derrota de grupos armados e treinados por pessoal dos EUA.

Enquanto essas armas parecem ter sido entregues a comandantes como troféus de guerra, a documentação do CAR concluiu que não houve um grande influxo de rifles feitos nos EUA no campo de batalha.

Só 3% das armas e 13% da munição documentada por pesquisadores do CAR eram calibres de acordo com a Otan, como o cartucho de 5.56mm usado em M16s e em países europeus ocidentais. Virtualmente todas as outras armas e munições vieram da China, Rússia e países do Leste Europeu.
Os motivos são simples: as tropas sírias e muitas forças iraquianas adotam rifles AK47 e metralhadoras como a RPK, que usam munição de 7.62mm produzida por antigos regimes comunistas.

O fornecimento de armas tiradas do campo de batalha era compatível com a chegada constante de carregamentos de munição 7.62, tornando as armas do tipo AK47 as preferidas pelos combatentes do EI.

– O Irã foi responsável por inundar o Iraque de foguetes durante as operações contra o EI.

Bulgária, Irã e Romênia produziram a maior parte dos novos foguetes de 73mm recuperados do EI, diz o relatório.

Mas a injeção de novos foguetes antitanques iranianos é uma medida sutil de como Teerã ganhou influência no auge das operações contra o EI, seu adversário ideológico.

Quase todos os foguetes iranianos recuperados do EI no Iraque foram produzidos depois de 2014, com 59% fabricados só em 2015, diz o relatório, fluindo para oeste no período mais instável no Iraque durante o conflito.

A presença dessas armas pode indicar pelo menos algumas vitórias do EI e a captura de equipamento pertencente às Forças de Mobilização Popular do Iraque, que incluem milícias armadas e treinadas por assessores militares do Irã. Grupos apoiados pelo Irã também foram usados por Assad na Síria para reforçar seu Exército debilitado.

Tradução de LUIZ ROBERTO MENDES GONÇALVES

quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Turquia, China e Egito têm 50% dos jornalistas presos no mundo, diz ONG

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1942880-turquia-china-e-egito-tem-50-dos-jornalistas-presos-no-mundo-diz-ong.shtml

DE SÃO PAULO
13/12/2017  03h02

O Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) critica os governos dos EUA e da União Europeia por não pressionarem os países com maior número de prisões de profissionais da imprensa, que atingiu novo recorde neste ano.

Em relatório a ser divulgado nesta quarta-feira (13), a organização afirma que Turquia, China e Egito concentram metade dos 262 jornalistas encarcerados no mundo entre janeiro e novembro —maior número da série histórica, iniciada em 1990.

As autoridades turcas continuam na liderança das prisões, com 73, no que o CPJ vê como uma continuidade da pressão contra a imprensa após o golpe frustrado contra o líder do país, Recep Tayyip Erdogan, em julho de 2016.

A maioria dos presos foi acusada com base na lei antiterrorismo por suposta relação com o Movimento Hizmet, do líder religioso Fethullah Gülen, considerado pelo mandatário turco o mentor da tentativa de derrubá-lo.

"O CPJ tem entendido que os governos usam leis antiterrorismo amplas e vagas para intimidar e silenciar jornalistas críticos. Em muitos casos, as medidas legais confundem a cobertura da atividade terrorista com o apoio a ela."

Para o CPJ, os países europeus, especialmente os membros da Otan, minimizam as críticas porque "estão vinculados pelo papel turco em abrigar refugiados sírios e outros acordos de cooperação".
"Enquanto isso, [o presidente dos EUA, Donald] Trump o recebeu na Casa Branca em maio e recentemente o chamou de amigo."

O republicano também é criticado por não citar a questão dos direitos humanos na China, com 38 jornalistas presos, e no Egito, com 20.

O presidente americano se encontrou duas vezes com o dirigente chinês, Xi Jinping, a última em novembro, e outras duas com o mandatário egípcio, Abdel Fattah al-Sisi.

No caso chinês, a organização atribui a omissão à influência de Pequim em relação à Coreia do Norte, diante das ameaças do regime de Kim Jong-un. Também cita a aprovação de uma lei antiterrorista que aprofunda a repressão contra a imprensa logo após a visita de Sisi à Casa Branca, em abril.

'FAKE NEWS'

O CPJ ainda repudia a atuação de Donald Trump por sua "retórica nacionalista, fixação com o extremismo islâmico e insistência em chamar a mídia crítica de 'fake news'". Para o comitê, isso reforça "a estrutura de acusações e indiciamentos que permitem àqueles líderes impulsionar a prisão de jornalistas".

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Israel recebe anúncio de Trump sobre Jerusalém com euforia e medo

Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/12/1941343-israel-recebe-anuncio-de-trump-sobre-jerusalem-com-euforia-e-medo.shtml

DANIELA KRESCH
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TEL AVIV

07/12/2017  02h00

Num misto de ansiedade, euforia e temor, Israel contou as horas, nesta quarta-feira (6), para o discurso em que o presidente americano Donald Trump reconheceria Jerusalém como capital do país.

Políticos e analistas se dividiram entre o entusiasmo da direita e o nervosismo do centro e da esquerda. A grande maioria dos ouvidos pela imprensa local disse apoiar a decisão de Trump, mesmo que com divergências sobre a forma de pô-la em prática.

Ninguém esconde o temor de que a decisão leve a uma escalada na violência regional. Apesar disso, representantes da direita saudaram:

"É um presente, uma grande vitória do sionismo, que conecta Jerusalém formalmente ao resto do país aos olhos do mundo", disse o ministro dos Transportes e da Inteligência, Yisrael Katz, do governista Likud, referindo-se à resolução da ONU que estabelece Jerusalém como "corpus separatum", cidade sob regime internacional.

"Hoje é um dia de festa, um evento histórico. É comparável à Declaração Balfour", completou o parlamentar Yehuda Glick, representante da ala mais à direita do Likud, lembrando o documento em que os ingleses atestavam ver "com bons olhos" a criação de um Estado judeu no território da Palestina histórica (na época, Israel, territórios palestinos e Jordânia).

Durante todo o dia, rádios, TVs e sites da internet tentaram prever o que Trump diria. Analistas e especialistas israelenses, palestinos e estrangeiros foram entrevistados, bem como políticos, ativistas e líderes de ONGs.

O pronunciamento de Trump foi analisado com lupa na mídia. Para alguns, a direita engoliu alguns sapos, como o fato de que Trump não se referiu a Jerusalém como cidade unificada —entendimento corrente em Israel desde a tomada da cidade, na Guerra dos Seis Dias (1967).

Por meio dessa omissão, Trump teria, na prática, posto Jerusalém na mesa de negociações com os palestinos para uma possível divisão entre lados ocidental e oriental.

A esquerda, por outro lado, tinha esperança de que a decisão de Trump fosse acompanhada de uma nova e clara iniciativa de paz.

"Fiquei emocionada com o discurso. Mas ficou faltando esclarecer se ele vai colocar a mão na massa para criar dois Estados", disse a ex-chanceler Tzipi Livni, do Campo Sionista (centro-esquerda).

O mesmo acredita o ex-embaixador dos Estados Unidos, Daniel Shapiro, para quem Trump se atrapalhou ao fazer a declaração sem consulta prévia a dirigentes árabes.

"Trata-se de uma oportunidade perdida. Reconhecer a capital sem transferir a embaixada imediatamente ou anunciar novas negociações de paz não leva ao gol final de alcançar dois Estados. O resultado é uma medida apenas retórica. Ele criou uma tempestade em copo d'água."

domingo, 3 de dezembro de 2017

Antes de Cabral, Amazônia teve mais de 8 milhões de índios

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2015/12/1714263-antes-de-cabral-amazonia-chegou-a-ter-10-milhoes-de-indios.shtml

REINALDO JOSÉ LOPES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

03/12/2015  02h00

Amazônia, berço de civilizações? Se a expressão soa estranha aos seus ouvidos, é porque as descobertas recentes sobre o passado da maior floresta tropical do mundo ainda não tinham sido reunidas num conjunto coerente.

Um grupo de pesquisadores brasileiros e americanos fez exatamente isso -e concluiu que, antes de Cabral, a região amazônica já estava fortemente "domesticada", e não intocada, como muita gente acredita.

As conclusões da equipe, liderada por Charles Clement, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, em Manaus) estão em artigo na revista científica britânica "Proceedings B".

Os dados mais recentes apontam, segundo eles, que mais de 80 espécies de plantas selvagens foram transformadas em cultivos agrícolas pelos povos nativos da Amazônia -as mais conhecidas são o cacau, a batata-doce, a mandioca, o tabaco e o abacaxi, além das que ainda são tipicamente amazônicas, como o açaí e o cupuaçu.

A impressionante lista de lavouras "inventadas" pelos indígenas conta só parte da história, porém. Os habitantes originais da região parecem ter domesticado, em certo sentido, até as florestas aparentemente não habitadas por seres humanos.

Isso acontece porque esses povos manejavam a distribuição natural de espécies da mata, favorecendo a predominância de espécies que eram úteis para eles, como as castanheiras que produzem a castanha-do-pará.

Ao longo do tempo, além das plantações propriamente ditas, eles passaram a ficar cercados por "florestas antropogênicas" (ou seja, geradas em grande medida pela ação humana) que facilitavam um bocado sua vida.

GENTE PARA TODO LADO

Esse processo de progressiva domesticação da mata teria ganhado impulso a partir de uns 4.000 anos atrás e, com o tempo, encheu a região com uma população respeitável. Os pesquisadores calculam que a Amazônia pré-cabralina teria abrigado ao menos 8 milhões de habitantes -um número que só seria alcançado pelo Brasil "branco" (somando os moradores de todas as regiões do país) no fim do século 19, segundo dados do IBGE.

A presença de toda essa gente está sinalizada por indícios arqueológicos espalhados de leste a oeste e de norte a sul do território amazônico. Na ilha de Marajó, na foz do Amazonas, um sistema de morros artificiais e uma cerâmica requintada sugerem uma cultura com ampla mão de obra e hierarquia social, com artistas semiespecializados, por exemplo.

Perto da fronteira com o cerrado, a região do Xingu guarda restos de amplas estradas, diques e paliçadas defensivas e manejo intensivo dos rios para a captura de peixes em larga escala. E o Acre conta com os misteriosos geoglifos, formas geométricas que podem ser vistas de avião e podem representar estruturas cerimoniais ou defensivas.

Para gerações mais antigas de arqueólogos, tudo isso seria considerado impossível, por uma razão simples: o solo amazônico seria pobre demais para garantir a produção agrícola indispensável ao sustento de uma população densa. As descobertas mais recentes têm mostrado que esse cenário é simplista, diz Wenceslau Teixeira, pesquisador da Embrapa Solos e coautor da pesquisa.

"Um dos grandes problemas da agricultura tropical é a falta de uma reserva de nutrientes no solo. Chove muito e esses nutrientes são lavados -os efeitos da adubação não duram. Acontece que os caras [antigos habitantes da Amazônia] conseguiram criar um solo fértil nesse ambiente", resume Teixeira.

TERRA PRETA

O nome dessa "arma secreta" da agricultura pré-histórica da Amazônia é terra preta -um solo escuro, como sugere o nome, e rico em matéria orgânica.

Calcula-se que ele cubra pouco mais de 0,1% da região -o que parece pouco mas, dado o gigantismo da área e a fertilidade da terra preta, foi o suficiente para impulsionar o crescimento populacional dos povos nativos.

Segundo o pesquisador da Embrapa, ainda não está totalmente claro como a terra preta era criada. "Provavelmente era um sistema de manejo de resíduos. Mais tarde, eles podem ter percebido o potencial desse solo para lavoura", diz o pesquisador.

Entre os "ingredientes" estavam restos de animais consumidos pelos indígenas e carvão vegetal, queimado de forma controlada, que ajudava a reter carbono no solo.

Ele lembra, porém, que a terra preta não era uma panaceia generalizada -no Acre, por exemplo, apesar dos indícios de grupos com vida social complexa, ela não parece ter sido usada para turbinar a produção agrícola.

Assinam ainda o estudo Eduardo Neves, arqueólogo da USP, e o antropólogo Michael Heckenberger, da Universidade da Flórida, entre outros especialistas.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

O lado obscuro do ‘milagre econômico’ da ditadura: o boom da desigualdade

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/29/economia/1506721812_344807.html

Mesmo com o forte crescimento e criação de empregos no período militar, os salários foram achatados e a distância entre ricos e pobres cresceu

BEATRIZ SANZ
HELOÍSA MENDONÇA

São Paulo 28 NOV 2017 - 19:05 BRST

O Brasil polarizado tem reproduzido uma frase que estava na boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em marcha lenta pareciam raras. “Na época dos militares era melhor”, tornou-se bordão de quem viveu aqueles anos, e ignora a repressão e a presença de censores nos jornais da época para filtrar notícias negativas à ditadura.  A ideia ressurgiu inclusive entre jovens que se anunciam eleitores do pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro, por acreditar que no tempo do regime militar o Brasil era mais alentador do que os dias atuais. Bolsonaro alimenta essa ideia tecendo elogios ao período. Entre os argumentos mais utilizados pelo candidato e pelos defensores da intervenção para mostrar a eficácia do regime está a conquista do "milagre econômico", que ocorreu no Brasil entre 1968 e 1973. De fato, nesta época, o país conseguiu crescer exponencialmente, cerca de 10% ao ano, e atingiu, em 1973, uma marca recorde do Produto Interno Bruto (PIB), que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado também de uma forte queda de inflação. A taxa, medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP), caiu de 25,5% para 15,6% no período.

O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, o que levou a perdas reais para os trabalhadores. A adoção de uma medida tão impopular só foi possível através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que diminui o poder dos movimentos e de negociação dos operários. Os militares também interferiram em diversos sindicatos, muitas vezes substituindo seus dirigentes. “Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”, explica Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. O arrocho salarial acabou aliviando os custos dos empresários e permitiu reduzir a inflação.

A melhora na atividade econômica se explicava, à época, por uma combinação de fatores. Uma conjuntura mundial mais favorável naqueles anos permitiu crédito externo farto e barato, por exemplo. O Brasil, por sua vez, criou regras que facilitaram a entrada de capital estrangeiro e investiu num programa de desenvolvimento do parque industrial além de reformas estruturais. O crescimento foi acompanhado pela abertura de novos postos de emprego no mercado formal e da expansão do consumo interno. Economistas ouvidos pelo EL PAÍS explicam que o milagre aconteceu principalmente regado a dinheiro internacional que aterrissou através da entrada de multinacionais que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares, e também por empréstimos advindos de fundos internacionais. Era um ambiente oposto ao do período anterior ao golpe de 1964, quando a grande convulsão política, em plena guerra fria, no país tornava o ambiente econômico incerto e afugentava o investidor.

Problemas sociais

Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.

Os altos índices de crescimento do PIB vividos enquanto a ditadura esteve instalada no país também não foram acompanhados de uma melhora nos indicadores sociais. Foi exatamente o oposto do que aconteceu.

Além disso, como o governo militar fez uma escolha de investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas pessoas decidiram abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida melhor na cidade, incentivando um êxodo rural sem planejamento e nunca revertido. Segundo o IBGE apenas 16% da população morava no interior do país em 2010.

O crescimento econômico durante a ditadura começou a ser alavancado durante o Governo de Castelo Branco, que adotou um ambicioso programa de reformas para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e desenvolver o mercado de créditos. Batizado de Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), ele foi responsável por reformas fiscais, tributárias e financeiras. Castello Branco implementou diversas medidas no sentido de incentivar um maior grau de abertura da economia brasileira ao comércio e ao movimento de capitais com o exterior. A partir de 1964, também foram introduzidos na legislação brasileira diversos mecanismos de incentivos às exportações.

Mas foi no Governo do general Emílio Garrastazu de Médici, sob o comando do então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, que o projeto econômico teve como princípio o crescimento rápido, com expressivo aumento da produção – com destaque para indústria automobilística- e grandes obras de infraestrutura. “O Governo apostou em grandes obras e investimento estimulando o setor privado e usando o crescimento como propaganda para legitimar o regime durante a época mais repressiva da ditadura. Era muito importante que ele tivesse apoio de uma parte da sociedade”, explica Muller.

Foi nessa época que nasceu o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND). O plano investiu principalmente na construção de estradas e obras de infraestrutura, como por exemplo, a Ponte Rio-Niterói (começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada rodovia Transamazônica.

Crise do petróleo

Na crista do ciclo do crescimento, a economia brasileira tão dependente de empréstimos estrangeiros, passou a enfrentar certa dificuldade quando uma forte crise econômica abalou o cenário internacional: o choque do petróleo. Conflitos entre países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) derrubaram a oferta do insumo entre 1973 e 1974, fazendo os preços quase quadruplicarem no período (o barril subiu de três dólares para11,60), afetando países importadores como o Brasil.

“Com a crise internacional de 1973, temos uma quebra deste modelo econômico baseado no alto endividamento externo e, com isso, a economia vai perdendo força”, afirma o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas que faziam parte do regime optaram por não abrir mão do modelo e decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, mesmo que continuasse se endividando cada vez mais.

Foi nesse contexto que surgiu o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), este ainda mais ousado que o primeiro, que investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobras ganhou subsidiárias, a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, mostrando o quanto a geração de energia era uma bandeira importante naquele momento em que o Brasil ainda não tinha uma matriz energética estabelecida e necessitava da importação desse bem.

Muller destaca que “os militares tinham planejamento a longo prazo” e que a ideia inicial era de que o país ficasse independente da importação de energia e começasse a gerar renda com a sua produção própria, essa renda seria utilizada para saldar a dívida externa. O plano deles, entretanto, não contava com a retração das maiores economias que, em determinado momento, chegaram para cobrar a fatura. A crise se prolongou mais do que o Governo imaginava.

Mas a conta do crescimento desenfreado baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Ao deixarem o poder em 1984, a dívida representava 54% do PIB segundo o Banco Central, quase quatro vezes maior do que na época que eles tomaram o poder em 1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB. A inflação, por sua vez, chegou a 223%, em 1985. Quatro anos depois, o país ainda não tinha conseguido se recuperar e ostentava um índice de inflação de 1782%. No jargão econômico, costuma-se dizer que os militares deixaram uma “herança maldita”.
“Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande parte do nosso parque industrial, melhorado em aspectos técnicos e tecnológicos a infraestrutura, quando veio a conta, a conta veio muito alta”, explica Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP)”

Os militares e a corrupção

Outra percepção recorrente é a de que no período da ditadura não havia corrupção. “Vários estudos já comprovaram que existia corrupção e era mais fácil que esses malfeitos ocorressem porque não havia investigação”, ressalta Grandi. Segundo ele, a relação promíscua entre interesses privados e órgãos públicos foi aprimorada nesse período.

Pedreira Campos é autor do livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988 que analisa mais profundamente essa relação. “Houve vários casos de corrupção na ditadura, principalmente no período da abertura envolvendo agentes do estado que foram acusados de se apropriar de recursos públicos”.

A ausência de notícias sobre corrupção no período tem também outra explicação. O Brasil viveu sob um regime de censura que foi estabelecida nos meios de comunicação que estavam orientados a publicar notícias que fossem favoráveis ao governo. E é por conta dessa propensão a maquiar a realidade que notícias denunciando escândalos de corrupção não estampavam a manchete dos jornais. “Um cenário como esse é ideal para a prática da corrupção, os indícios indicam que havia mais corrupção naquele período”, completa Pedreira Campos.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Queda de Mugabe teve espiões, complô de assassinato e reuniões na China

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1938563-queda-de-mugabe-teve-espioes-complo-de-assassinato-e-reunioes-na-china.shtml

MCDONALD DZIRUTWE
JOE BROCK
ED CROPLEY
DA REUTERS

27/11/2017  13h12

Dentro da residência presidencial em Harare, Robert Mugabe estava na situação mais difícil de seus 37 anos no poder. Havia tanques nas ruas, e tropas tinham ocupado a emissora de televisão estatal, de onde o Exército anunciara que havia tomado controle do Zimbábue.

Com 93 anos de idade, mas ainda alerta, Mugabe resistia. O único líder que o Zimbábue conhecera desde sua independência se negava a deixar o poder.

Numa reunião tensa com o alto escalão militar, em 16 de novembro, o chefe de Estado mais velho do mundo ordenou ao comandante militar Constantino Chiwenga: "Traga-me a Constituição e me diga o que ela diz", segundo duas pessoas presentes. Um assessor trouxe uma cópia da Constituição, que declara que o presidente é o comandante-chefe das forças armadas.

Chiwenga hesitou antes de responder que o país estava diante de uma crise nacional que exigia uma intervenção militar. Mugabe, segundo os presentes, retorquiu que o problema era o Exército. Então o presidente pressionado indicou que talvez fosse possível encontrarem uma solução juntos.

A reunião marcou o início de cinco dias de impasse extraordinário entre Mugabe e a lei suprema do Zimbábue, de um lado, e, do outro, as forças armadas, seu partido político e a população zimbabuana.

Os generais queriam Mugabe fora do poder, mas buscavam um golpe "pacífico", que não manchasse irreparavelmente a reputação da administração que queria assumir o poder, segundo múltiplas fontes militares e políticas.

O presidente aceitou a derrota, finalmente, apenas depois de ter sido afastado por seu próprio partido, o Zanu-PF, e enfrentado a desonra do impeachment. Ele assinou uma carta de renúncia endereçada ao presidente do Parlamento, Jacob Mudenda, que foi lida em voz alta aos parlamentares em 21 de novembro.

Mugabe, que comandara o país desde 1980, assistindo a seu mergulho na ruína econômica sem nada fazer enquanto sua mulher comprava artigos de luxo, tinha caído.

O país explodiu em alegria. Parlamentares dançaram, e dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para festejar uma queda política que transmitiu ondas de choque pela África e o mundo.

Uma semana apenas antes, muitos teriam visto a queda de Mugabe como algo impensável.

A Reuters investigou os fatos que levaram ao afastamento de Mugabe, mostrando que a ação do exército foi o momento culminante de meses de planejamento que envolveu Harare, Johannesburgo e Pequim.

RIVALIDADE ACIRRADA

Em setembro, baseada em um manancial de documentos de inteligência da temida CIO (Organização Central de Inteligência) do próprio Mugabe, a Reuters divulgou que o exército apoiava o nome deEmmerson Mnangagwa, o então vice-presidente, para suceder Mugabe quando chegasse a hora.

O informe detalhou como Mnangagwa, amigo vitalício de Mugabe e seu ex-chefe de segurança, poderia cooperar com os adversários políticos do presidente para reativar a economia. O documentou provocou furor nos círculos políticos e de mídia zimbabuanos.

Uma rivalidade aguda se intensificou entre Mnangagwa e Grace, 52, mulher de Mugabe, que também esperava assumir a presidência e tinha o apoio de uma facção do Zanu-PF conhecida como G40.

No início de outubro, Mnangagwa disse que foi levado de avião a um hospital na África do Sul depois de ser alvo de uma tentativa de envenenamento em agosto. Ele não apontou para nenhum suspeito –mas não precisava fazê-lo.

Grace reagiu rapidamente, negando envolvimento na tentativa de assassinato e acusando seu rival de tentar angariar apoio. De acordo com reportagem no jornal estatal "Herald", ela minimizou a importância de Mnangagwa e o descreveu como nada mais que um funcionário de seu marido.

Enquanto a pressão se intensificava, Mugabe ficava cada vez mais paranoico em relação à possível deslealdade do chefe do exército, Constantino Chiwenga, militar de carreira e veterano condecorado da guerra zimbabuana contra o governo de minoria branca, nos anos 1970.

Os espiões do presidente, que permeavam todas as instituições e todos os setores da sociedade no Zimbábue, o estavam avisando que os militares não aceitariam Grace como presidente.

"Mugabe está muito preocupado com a possibilidade de um golpe", disse um relatório de inteligência datado de 23 de outubro. "Figuras seniores da CIO lhe disseram abertamente que os militares não aceitarão a nomeação de Grace de boa vontade. Ele foi avisado que deve se preparar para uma guerra civil."

A Reuters teve acesso ao documento e a centenas de outros relatórios de inteligência datados de a partir de 2009, anteriores ao golpe. Os documentos vêm do interior da CIO, mas a Reuters não conseguiu determinar quem os redigiu. A CIO é dividida em facções pró e anti-Mugabe.

No final de outubro, Mugabe convocou Chiwenga para uma discussão cara a cara, revela outro dos documentos, datado de 30 de outubro. Mugabe, segundo o texto, perguntou ao comandante militar sobre seus vínculos com Mnangagwa e lhe disse que fazer oposição a Grace lhe custaria sua vida.

Segundo o relatório de inteligência, "Chiwenga foi avisado por Mugabe que é hora de ele começar a seguir [obedecer suas ordens]. Ele mencionou a Chiwenga que aqueles que combatiam sua mulher certamente teriam uma morte dolorosa."

Nesse mesmo encontro Mugabe ordenou a Chiwenga que jurasse lealdade a Grace. Chiwenga se negou a fazê-lo. "Chiwenga se negou a ser intimidado", diz o relatório. "Ele se conservou firme na lealdade a Mnangagwa."

A Reuters enviou perguntas ao porta-voz de Mugabe, George Charamba, sobre essa discussão e outros pontos deste artigo. Em mensagem enigmática datada de 23 de novembro, Charamba respondeu: "Curta texto da Reuters. Boa noite." Dois representantes de Chiwenga se negaram a comentar.

Após outro encontro tenso com Mugabe em 5 de novembro, Chiwenga deixou Harare numa viagem oficial previamente organizada com destino à China, que, como a maior investidora em Zimbábue, exerce influência importante no país.

Um dia depois, Mugabe afastou Mnangagwa da vice-presidência e o expurgou do Zanu-PF, o movimento de libertação no qual Mnangagwa serviu desde sua juventude e pelo qual quase foi executado quando era militante jovem e foi flagrado detonando uma bomba num trem.

Para os generais, Mugabe tinha ido longe demais. De acordo com uma fonte militar, os militares imediatamente ativaram o alerta "código vermelho", o nível de alerta mais alto.

COMPLÔ DE ASSASSINATO

Momentos após o afastamento de Mnangagwa, em 6 de novembro, o esquema de segurança dedicado a ele e sua residência foi desativado, segundo declaração que ele emitiu mais tarde. Ele foi informado que corria perigo de vida.

"Agentes de segurança amigos me avisaram que um plano estava sendo traçado para me prender, levar a uma delegacia de polícia e me eliminar", disse Mnangagwa em comunicado emitido em 21 de novembro. "Para minha própria segurança, era melhor eu deixar o país imediatamente."

De Harare, Mnangagwa conseguiu atravessar a fronteira do vizinho Moçambique, de onde teria embarcado num avião para a China, segundo uma fonte familiarizada com seus movimentos. Ali, reuniu-se com Chiwenga, segundo a fonte.

A Reuters não pôde confirmar a informação, mas um relatório de inteligência de 13 de novembro indica que Mugabe suspeitava que alguns de seus generais estivessem na China, preparando sua deposição.

"Vários generais já estão na China, prontos para planejar a deposição de Mugabe com Mnangagwa", dizia o relatório. O texto não deixou claro quais eram os generais, nem se sua viagem à China tinha sido autorizada.

Os espiões de Mugabe suspeitavam que aliados antigos tivessem se voltado contra o presidente envelhecido. Um relatório de inteligência de 30 de abril dizia que Pequim e Moscou eram favoráveis a uma mudança de regime, frustrados com a implosão econômica do Zimbábue sob Mugabe.

"China e Rússia querem mudanças", disse o relatório. "Querem mudanças no Zanu-FP. Estão fartas da liderança de Mugabe."

"Os dois países estão até dispostos a fornecer armas de guerra a Mnangagwa clandestinamente para ele combater Mugabe."

Nem o Ministério da Defesa nem o Ministério do Exterior chineses responderam a pedidos de declarações. O Ministério do Exterior tinha dito anteriormente que a visita de Chiwenga foi "um intercâmbio militar normal acordado previamente pela China e o Zimbábue".

A Reuters enviou por escrito pedidos de declarações ao Kremlin, ao Ministério da Defesa e ao Ministério do Exterior russos. Nenhum deles respondeu.

A China se interessa pelo Zimbábue há anos, tendo apoiado as forças de Mugabe durante a luta pela libertação. Após a independência zimbuana, criou laços com o país nas áreas de mineração, segurança e construção.

A Rússia também tem vínculos com o Zimbábue desde o início da década de 1980, e em 2014 um consórcio russo formou uma parceria para desenvolver um projeto de mineração de platina no país, no valor de US$ 3 bilhões.

A viagem de Chiwenga à China culminou com um encontro dele com o ministro da Defesa, Chang Wanquan, em 10 de novembro.

Duas fontes informadas sobre o que foi discutido no encontro disseram à Reuters que Chiwenga pediu à China que concordasse em não interferir se ele assumisse o controle do Zimbábue temporariamente para depor Mugabe. Chang lhe assegurou que Pequim não se envolveria, e, segundo as fontes, os dois também discutiram táticas que poderiam ser usadas durante o golpe "de facto".

A Reuters não pôde averiguar se Mnangagwa se reuniu com Chang.

Informado sobre as discussões na China, Mugabe convocou o comissário de polícia, Augustine Chihuri, ainda leal a ele, e seu vice, Innocent Matibiri, encarregando-os de prender Chiwenga quando retornasse a Harare.

Os dois reuniram um pelotão de cem policiais e agentes de inteligência. Mas o complô foi vazado, e partidários de Chiwenga conseguiram reunir uma equipe de várias centenas de agentes e soldados das forças especiais para receber seu comandante quando o avião dele se aproximava da cidade.

Segundo uma fonte de segurança, alguns deles estavam disfarçados de carregadores, com seus uniformes militares e armas escondidos sob macacões e coletes de alta visibilidade.

Percebendo que perdiam em número e armas para o grupo contrário, a equipe de policiais leais a Mugabe recuou, permitindo que Chiwenga desembarcasse sem incidente, segundo a fonte de segurança.

O porta-voz de Mugabe não comentou o incidente.

"MUITO ALARMADOS"

Dois dias depois, Chiwenga e um grupo de comandantes militares pediram uma reunião com Mugabe em sua residência oficial em Harare, uma mansão colonial com leopardos empalhados e espessos tapetes vermelhos.

Eles se disseram "muito alarmados" com o afastamento de Mnangagwa e pediram a Mugabe que controlasse sua esposa e a facção G40, leal a ela, que acusavam de tentar dividir as forças armadas. A informação é de um funcionário governamental que estava presente na reunião.

"O que vocês acham que deve ser feito?" perguntou Mugabe aos militares, reclinado numa poltrona.

Os generais lhe pediram garantias de que também eles não seriam expurgados. A resposta de Mugabe foi ambígua, segundo a fonte governamental. Chiwenga disse ao presidente que levaria a público suas preocupações com a facção G40.

Horas depois, Chiwenga chamou repórteres ao quartel principal do exército em Harare para divulgar um comunicado.

"Precisamos recordar aos responsáveis pelas manobras e traições que as forças armadas não vão hesitar em intervir para proteger nossa revolução", ele disse, lendo um texto preparado.

Na tarde seguinte, a Reuters informou que seis veículos blindados de transporte de tropas se dirigiram ao quartel-general da Guarda Presidencial de Mugabe, na periferia de Harare. Não estava claro quem os comandava.

A população da capital estava ansiosa, mas ainda não sabia o que significava toda a movimentação.

O TELEFONE FICOU MUDO

Às 18h do dia 14 de novembro, o comboio de Mugabe se dirigiu à sua residência particular, conhecida como "Blue Roof", no subúrbio de Borrowdale.

Enquanto isso, as redes sociais fervilhavam com imagens de veículos blindados percorrendo as estradas em direção a Harare e especulações sobre um possível golpe.

Cada vez mais preocupada, pouco após as 19h Grace telefonou a um ministro do gabinete pedindo que o WhatsApp e o Twitter fossem fechados. A informação é de uma fonte que teve acesso a uma gravação da conversa.

O ministro, cuja identidade a Reuters não está informando por razões de segurança, respondeu que tal iniciativa seria da alçada do ministro de Segurança do Estado, Kembo Mohadi.

"Ninguém vai tolerar um golpe. Isso não pode acontecer", disse Grace, conhecida comumente como Amai ("Mãe"), segundo uma fonte que ouviu a gravação.

A voz de Mugabe é ouvida na linha: "Como vocês ouviram de Amai, há algo que se possa fazer?"

O ministro deu a mesma resposta, sobre as responsabilidades da Segurança de Estado, e então o telefone ficou mudo.

Mohadi se negou a comentar o assunto.

Duas horas mais tarde, dois veículos blindados entraram na sede em Pockets Hill da emissora Zimbabwe Broadcasting Corporation (ZBC),

Dezenas de soldados fecharam a sede e invadiram o estúdio, onde enfrentaram profissionais, confiscaram seus telefones e interromperam a transmissão de programas. A ZBC, pertencente ao governo e vista amplamente como porta-voz de Mugabe, trocou sua programação normal por vídeos de música pop.

O círculo mais próximo de Mugabe, composto quase inteiramente por membros do G40, não fazia ideia do que estava acontecendo, segundo quatro fontes que acompanharam suas conversas.

O ministro da Informação, Simon Khaya Moyo, ligou para o ministro da Defesa, Sydney Sekeramayi, para perguntar se ele tinha informações sobre um possível golpe. Sekeramayi disse que não, mas tentou averiguar com o comandante militar Chiwenga.

Este disse que retornaria a ligação de Sekeramayi. Segundo as fontes, ele não o fez.

Moyo se encontra escondido, e não foi possível obter declarações dele. Sekeramayi se negou a dar declarações.

ESQUEMA DE SEGURANÇA

Enquanto os ministros da facção G40 tentavam desesperadamente descobrir o que estava acontecendo, os homens de Chiwenga cercaram a residência de Mugabe.

Segundo uma fonte informada sobre a situação, Albert Ngulube, diretor da CIO e chefe do esquema de segurança de Mugabe, estava voltando para sua casa de carro às 21h30 depois de visitar Mugabe. Ele topou com um carro blindado na Borrowdale Brooke, uma rua lateral que conduz à casa de Mugabe.

Quando Ngulube ameaçou atirar nos soldados, eles o espancaram e detiveram. Ngulube foi solto mais tarde, mas, segundo a fonte, sofreu ferimentos faciais e cranianos.

Representantes de Chiwenga e Mnangagwa se negaram a dar declarações. A Reuters não pôde contatar Ngulube.

Outros ministros do G40 também foram apreendidos por militares. O ministro das Finanças, Ignatius Chombo, foi encontrado escondido num banheiro de sua casa e espancado, sendo então detido em local não revelado por mais de uma semana.

Libertado em 24 de novembro, ele foi internado num hospital com ferimentos nas mãos, nos braços e nas costas, segundo disse à Reuters seu advogado, que descreveu a ação do exército como "brutal e draconiana".

Soldados detonaram com explosivos a porta da casa de Jonathan Moyo, o cérebro do G40, segundo imagens em vídeo vistas pela Reuters. Outros invadiram a residência do ministro do Governo Local Saviour Kasukuwere, outro partidário crucial de Grace.

Os dois ministros conseguiram fugir para a residência de Mugabe. Contatado pela Reuters pouco após a meia-noite de 15 de novembro, Kasukuwere estava audivelmente estressado. "Não posso falar, estou numa reunião", ele disse antes de desligar.

Mugabe se aferrou à presidência por mais uma semana, enquanto Chiwenga e suas forças tentavam organizar uma saíde pacífica e quase legal para o líder.

Mas Mugabe desistiu, finalmente, quando o Parlamento deu início a um processo de impeachment, em 21 de novembro. Após 37 anos no controle, período no qual boa parte do país mergulhou na pobreza, sua carta de renúncia disse que ele se afastava "por preocupação com o bem-estar do povo de Zimbábue".

Tradução de CLARA ALLAIN

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Mugabe caiu, mas sua máquina de roubar está instalada no Zimbábue

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937869-mugabe-caiu-mas-sua-maquina-de-roubar-esta-instalada-no-zimbabue.shtml

ANÁLISE

TODD MOSS
DA "FOREIGN POLICY"

24/11/2017  07h00

Robert Mugabe fez suspense com a população zimbabuana até o amargo final, mas seu reinado de 37 anos terminou, finalmente. Porém, ele vai lançar uma sombra comprida sobre a política de seu país por muitos anos ainda.

Único líder que a nação conheceu desde o final do governo minoritário branco, em 1980, ele presidiu em meio à queda do Zimbábue. De potencial potência regional o país decaiu para Estado predatório que atende aos interesses apenas dos mais corruptos e venais.

No passado o país exportava alimentos, mas hoje metade da população rural depende da generosidade internacional para sobreviver. Os enormes protestos do fim de semana foram uma rejeição evidente a esse legado.

Mas, com a União Nacional Africana Zimbabuana (Zanu-PF) de Mugabe ainda firme no poder, as perspectivas de reformas reais são poucas, embora não totalmente inexistentes.

Algumas pessoas esperam que Emmerson Mnangagwa, ex-vice deposto por Mugabe que virou seu sucessor, forme uma autoridade de transição inclusiva para administrar o país até as eleições, possivelmente já em agosto de 2018.

Isso permitiria que os militares voltassem aos quartéis e que novas autoridades iniciassem negociações emergenciais com os credores do país.

A economia zimbabuana se encontra quase em queda livre, sofrendo de uma escassez aguda de dinheiro vivo, mas essa situação não será corrigida enquanto não for saldada uma dívida atrasada de cerca de US$ 5 bilhões e o país obtiver uma nova linha de crédito.

Para ter credibilidade, porém, o governo de transição precisaria incluir figuras como o veterano líder oposicionista Morgan Tsvangirai, o respeitado ex-ministro financeiro Tendai Biti, a ex-vice-presidente Joice Mujuru e o político veterano Welshman Ncube, entre outros.

Eles com certeza precisariam de garantias de que as autoridades de transição vão exercer poder real, especialmente de reformar o sistema eleitoral.

Uma possibilidade mais pessimista, mas muito mais provável, é que Mnangagwa simplesmente assuma o poder. O novo dirigente zimbabuano é um dos criadores desse sistema de repressão e controle que enriqueceu um grupinho no topo, através de um vasto império de corrupção.

Ele pode atrair um ou dois líderes oposicionistas para exercerem papéis cerimoniais, mas é pouco provável que ceda influência real. Foi o que aconteceu no último governo de união nacional, entre 2009 e 2013.

Na época, a oposição ganhou um lugar nominal no comando do país após Mugabe ter lançado uma campanha de assassinatos, tortura e estupros para influenciar indevidamente a eleição de 2008.

Tsvangirai e outros têm muita consciência dessa armadilha, mas é possível que sejam pressionados a participar, à espera de concessões. Seria uma aposta altamente perigosa a fazer com Mnangagwa, apelidado de 'crocodilo' por ser tão implacável como chefe de segurança.

CONCORDÂNCIA

Esse cenário mais pessimista —de uma junta militar disfarçada— só sobrevive a longo prazo com a concordância pelo menos tácita da comunidade internacional. Infelizmente, a África do Sul e o Reino Unido já teriam indicado preferência pela estabilidade de curto prazo.

Os países podem estar dispostos a deixar Mnangagwa no comando do Zimbábue por cinco anos, para mostrar o que pode fazer. Como resultado, Londres e Pretória perderam sua credibilidade como mediadores entre o regime e a oposição —exemplo disso foi a reivindicação de que a África do Sul ficasse de fora da transição.

Os EUA veem o Zimbábue de outra forma. Uma lei de 2001 define condições rígidas para a reaproximação entre os dois países e o novo dirigente e o chefe militar, Constantino Chiwenga, estão na lista de alvos de sanções americanas.

A Casa Branca também tem influência em qualquer reestruturação de dívida ou concessão de novos créditos. Antes de dar fim à dívida, Washington é obrigada a exigir a realização de eleições livres, justas e com credibilidade.

A sobrevivência em longo prazo de qualquer novo governo zimbabuano vai depender do fim da crise. Mas o Zanu-PF têm uma capacidade surpreendente de resistir a reformas. Assim como Mugabe se aferrou ao poder até o fim, a máquina de saques que ele deixou pode continuar a funcionar, custe o que custar.

Tradução de CLARA ALLAIN

Ex-vice de Mugabe, Mnangagwa toma posse como presidente do Zimbábue

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937885-ex-vice-de-mugabe-mnangagwa-toma-posse-como-presidente-do-zimbabue.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

24/11/2017  08h14

Emmerson Mnangagwa tomou posse na manhã desta sexta-feira (24) como presidente do Zimbábue em uma cerimônia em um estádio em Harare, capital do país, dando fim aos 37 anos da ditadura de Robert Mugabe.

As milhares de pessoas no local aplaudiram quando Mnangagwa, 75, fez seu juramento, no qual prometeu respeitar a Constituição e proteger os direitos de todos os cidadãos do país. Em seu discurso, o novo presidente prestou uma homenagem a Mugabe, a quem chamou de "pai da nação", e prometeu combater a pobreza e a corrupção.

"Aceitamos e reconhecemos todos sua imensa contribuição para construção de nossa nação", declarou Mnangagwa sobre o ex-ditador durante seu pronunciamento.

O novo presidente também prometeu indenizar os fazendeiros brancos que foram violentamente expulsos de suas propriedades por Robert Mugabe no início dos anos 2000.

"Meu governo está comprometido em compensar esses fazendeiros cujas propriedades foram confiscada", declarou em sua primeiro fala como chefe de Estado.

Disse ainda que essas reformas são inevitáveis. "Vamos criar empregos para nossa juventude e reduzir a pobreza de nossa população", disse ele, ao prometer que os atos de corrupção vão acabar em seu governo.

Conhecido como "Crocodilo", o novo presidente foi chefe de segurança e vice de Mugabe, que renunciou na terça-feira (21) após grande pressão interna.

Mnangagwa foi afastado do cargo de vice pelo ditador no início de novembro, em uma sinalização de que Mugabe apontaria a primeira-dama Grace para sucedê-lo.

Com isso, os militares foram para as ruas e detiveram o ditador, pressionando por sua renúncia. O partido governista Zanu-PF afastou Mugabe e também exigiu que ele deixasse o cargo, o que ele fez na terça, após negociar um acordo de imunidade para ele e sua família.

Com isso, Mnangagwa, que tinha deixado o país após seu afastamento, retornou a Harare para assumir à Presidência e prometeu respeitar o Estado de Direito.

"O povo falou. A voz do povo é a voz de Deus" disse ele na quarta (22) na sede do Zanu-PF pouco depois de voltar ao país.

Parte dos analistas, porém, questionam o passado do novo presidente durante a ditadura Mugabe, em especial sua possível participação nos massacres de gukurahundis em 1983. Estimativas apontam que até 20 mil pessoas podem ter morrido em um ataque do Exército contra oposicionistas —Mnangagwa nega ligação com o episódio.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Ex-ditador do Zimbábue, Mugabe recebeu imunidade para renunciar

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937558-ex-ditador-do-zimbabue-mugabe-recebeu-imunidade-para-renunciar.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
DE SÃO PAULO

23/11/2017  11h12 - Atualizado às 19h42

O ex-ditador do Zimbábue Robert Mugabe, 93, recebeu imunidade de processos judiciais e garantias de que sua segurança será preservada, como parte do acordo que levou à sua renúncia, anunciada na última terça-feira (21).

Em entrevista à agência de notícias Associated Press, o chefe da União Nacional Africana Zimbabuana (Zanu-PF), Lovemore Matuke, disse que enviar o mandatário aos tribunais nunca fez parte dos planos do partido do regime.

"Ele está seguro, sua família está segura e sua condição de herói do país está garantida. O que pedimos foi a renúncia ou o impeachment."

Ao jornal britânico "The Guardian", o deputado Ziyambi Ziyambi afirmou que Mugabe e sua mulher, Grace, 52, terão os mesmos benefícios de um ex-presidente.

Membros do governo disseram à agência de notícias Reuters que o ex-mandatário deseja morrer no país, motivo pelo qual colocou como condição da renúncia a manutenção de sua segurança.

Mugabe não se manifestou oficialmente desde o fim de semana, quando havia dito que não pretendia renunciar.

Nesta quinta, zimbabuanos circularam nas redes sociais uma foto do ex-ditador e da mulher sentados em um sofá, ao lado de assessores.

Nela, Mugabe está com os olhos fechados e Grace aparece com cara de prostração. Não se pôde verificar, porém, a data e as condições em que foi feita a imagem.

Um dos líderes mais longevos e duradouros da África pós-colonial, Mugabe comandava o Zimbábue desde 1980. Sua renúncia veio depois que o Exército tomou o poder do país e o partido que ajudou a criar se voltou contra ele.

A principal causa do levante foi a deposição do vice, Emmerson Mnangagwa, 75, apoiado pelos militares e a ala majoritária do Zanu-PF, para favorecer sua mulher em uma futura sucessão.

Mnangagwa deverá assumir o comando do Zimbábue nesta sexta (24). Pelo protocolo, Mugabe poderia até participar da cerimônia de posse, prevista para ocorrer um estádio de Harare, mas isso não foi confirmado até o momento.

Em comunicado nesta quinta, o novo dirigente pediu aos zimbabuanos que não tenham qualquer reação vingativa contra o ex-ditador.