domingo, 26 de março de 2017

A imprensa e as fábricas de salsicha

Por Paula Cesarino Costa - Ombudsman

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2017/03/1869767-a-imprensa-e-as-fabricas-de-salsicha.shtml

26/03/2017  02h00

O espetáculo de realismo mágico nas palavras de um juiz começou na sexta-feira (17), com a maior operação da história da Polícia Federal.

A PF investigou durante dois anos esquema de propinas envolvendo 32 empresas que pagavam fiscais do governo federal para liberar carnes adulteradas ou estragadas.

Os principais frigoríficos do país estavam entre os investigados. A carne adulterada chegara na merenda escolar. Haveria produtos com substâncias potencialmente cancerígenas. Não era bem assim.

Esse foi o tema mais comentado pelos leitores, que criticaram o trabalho da imprensa e da polícia.

Dizia o texto da edição de sábado: "Ao longo de dois anos de apuração, a PF afirma ter encontrado em gôndolas de supermercados carnes adulteradas, com prazo de validade vencido e maquiadas com produtos proibidos por lei".

Um leitor cobrou: "Por que os jornais não questionaram essa demora da polícia em divulgar assunto de extrema importância, em vez de punir e evitar que população consumisse carne com problemas?"

A Folha publicou o que a polícia divulgou, sem questionar, sem duvidar, sem consultar especialistas que pudessem ajudar na avaliação dos fatos. Não investiu em linha própria de investigação nem saiu a campo atrás de evidências.

Na segunda (20), o jornal embarcou também acriticamente nas vozes das empresas e do governo. Passou a ser crítico à operação policial, com a demonstração de relatos inapropriados, generalizações descabidas e provas técnicas parciais ou incompletas. O estrago para o setor já estava feito. O leitor, perdido, ficou sem saber em quem acreditar.

O editor de "Mercado", Ricardo Balthazar, admitiu que "o tom da cobertura foi ajustado durante o fim de semana, à medida que a avalanche de informações da polícia pôde ser avaliada com mais cuidado".

Lembrou que, na segunda-feira, primeira reportagem mais crítica da Folha informou que nos dois anos de investigação somente um dos frigoríficos teve seus produtos submetidos a análise técnica pela polícia, demonstrando de forma objetiva as fragilidades do trabalho policial.

De modo geral, tanto quanto a investigação sobre a carne, fraca acabou sendo a cobertura da Folha.

Veio à tona antiga associação: assim como a salsicha, se o leitor soubesse como os jornais são feitos, também não os consumiria?

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