Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/04/e-uma-falacia-dizer-que-bancos-brasileiros-sao-muito-eficientes-diz-presidente-de-consultoria.shtml
Para o presidente da Roland Berger, instituições nacionais
têm mais de R$ 50 bi cobertos pelas altas taxas de juros
22.abr.2018 às 2h00
Alexa Salomão
SÃO PAULO
O presidente da consultoria alemã Roland Berger, António
Bernardo, é um crítico contumaz dos bancos no Brasil e do papel deles na
preservação das altas taxas de juros e de spread (diferença entre as taxas de
juros que o banco paga e as que cobra).
Mesmo reconhecendo que o ambiente local é adverso, o que
exige que cobrem mais pelos empréstimos, Bernardo afirma que as instituições
financeiras instaladas no país estão em uma posição confortável e não têm
pressa em fazer o dever de casa.
"No Brasil há uma concorrência soft entre os bancos, o
que leva a uma enorme desvantagem: gera ineficiências."
O Banco Central, avalia Bernardo, já está tomando medidas
para corrigir esse comportamento. "A pressão sobre os bancos está
crescendo. E eles já estão sentindo. A mudança agora é apenas uma questão de
tempo", afirma.
Por que a taxa básica de juros está no menor nível desde o
início do Real, mas não vemos a redução dos juros no crédito nem dos ganhos dos
bancos, o chamado spread?
As taxas de juros para o consumidor final estão caindo, o
spread também, mas a redução vem de forma muito gradual, o que é negativo para
o investimento, para o consumo, para a recuperação da economia. Essa inércia
dos bancos em reduzir as taxas ocorre por várias razões. Uma delas é o fato de
o Brasil ter uma grande concentração bancária.
Mas a concentração bancária ocorre em outros países que não
têm taxas elevadas. Dá mesmo para afirmar que essa é uma causa?
Há concentração bancária em outras economias, mas em
economias pequenas, como a Holanda e a Finlândia. Entre as grandes, a
concentração é bem maior do que no Brasil. Estados Unidos, França, Reino Unido,
por exemplo, são grandes economias com concentração bancária bem menor do que a
brasileira. E a experiência mostra que setores muito concentrados têm mais
propensão ao que chamo de concorrência soft.
O que seria isso?
Não estou dizendo que os bancos fazem algo ilegal, que
organizam reuniões a portas fechadas para combinar juros. Estou dizendo que a
concentração leva à redução na concorrência —e não é fácil explicar essa
redução na prática. Os bancos fazem propaganda do crédito hipotecário, do
crédito para automóvel, e fica parecendo que há concorrência. Mas isso não é
concorrência. Na concorrência verdadeira ocorre uma pressão grande sobre os
preços, e, para conquistar clientes, é preciso baixar o preço —no caso dos
bancos, baixar as taxas de juros. Não há pressão sobre os preços no sistema
bancário brasileiro.
Há quem defenda que concentração pressuponha bancos mais
robustos e eficientes, o que dá segurança ao sistema. Esse setor já foi mais
pulverizado no Brasil, teve problemas e exigiu saneamento. O país não está mais
seguro assim?
De um lado, sim, é verdade. Instituições maiores e mais
fortes dão mais segurança ao sistema financeiro. Mas também traz essa
concorrência soft que eu falei, o que leva a uma enorme desvantagem para todo o
sistema: gera ineficiências. Ao contrário do que se pensa, os grandes bancos
brasileiros não são tão eficientes assim.
Mas é recorrente o discurso de que os bancos brasileiros
estão entre os mais eficientes do mundo.
Isso é uma falácia. Basta comparar os números. Para medir a
eficiência, os bancos usam várias métricas, uma delas é o CIR (taxa que mostra
a relação entre os custos de operação e a renda). O CIR dos bancos brasileiros
está abaixo de 50%. Por exemplo, o Santander tem cerca de 42%, o Itaú algo como
45%, o Bradesco, 49%. O CIR dos bancos na Europa está ao redor de 62%, e o dos
Estados Unidos, 59%.
Mas essa é uma maneira simplista e pouco rigorosa de ver a
eficiência. O CIR aqui é mais baixo porque o spread é absurdamente mais elevado
—tem mais income, renda—, não porque os custos sejam baixos. Os custos dos
bancos no Brasil, aliás, são muito altos.
O sr. está dizendo que o spread encobre ineficiências?
Sim. Encobre ineficiências e mantém resultados. A
rentabilidade dos bancos brasileiros vem do spread excepcionalmente alto que
cobram. Nas análises que fizemos, identificamos que há mais de R$ 50 bilhões em
custos que poderiam ser cortados e estão sendo cobertos pelo spread.
Que custos são esses?
Estruturas organizacionais pesadas, com gente demais,
processos de middle e back-office (áreas internas responsáveis por transações
financeiras e obrigações regulatórias) ultrapassados, excesso de agências. Há
outro indicador mundial para medir eficiência: despesas administrativas e com
pessoal sobre o ativo total (peso dos custos sobre os ativos). Entre os maiores
bancos no Brasil, essa relação é de 3,5%. Na Europa, 1,5%, menos da metade. Nos
Estados Unidos, 2,5%.
Os bancos alegam que os spreads são altos por outras
questões, alheias às suas operações, como a alta inadimplência. Não é assim?
Os custos com inadimplência no Brasil são três ou quatro
vezes maiores do que em alguns países da Europa. Mas, no que se refere à
inadimplência, pesam diferentes fatores. Recuperação de garantias, por exemplo,
é um indicador importante. No Reino Unido e na Alemanha, a capacidade de
execução de uma garantia em caso de inadimplência supera 80%. No México, 70%. Sabe
qual é a capacidade de recuperação no Brasil? Cerca de 16%. Pesa também a
questão do prazo: quanto mais tempo se leva para recuperar a garantia, mais
pressão vemos sobre a inadimplência. No Reino Unido, um ano, um ano e meio. No
Brasil, quatro anos.
Há, então, problemas do arcabouço legal que não depende dos
bancos, correto?
Sim. Questões legais e outras distorções particulares do
Brasil pesam, mas é preciso ter em mente que esse não é o aspecto mais
relevante. Uma questão fundamental que afeta a inadimplência está no modelo de
análise de risco dos bancos. Eles precisam ajustar e melhorar os modelos.
Emprestaram altas quantias a clientes que depois se mostraram arriscados. Há
novas tecnologias que podem ajudar nisso. Fintechs (empresas financeiras baseadas
em novas tecnologias) já usam inteligência artificial para melhorar a
eficiência.
Que medidas podem acelerar a redução do spread?
O Banco Central tem agido nesse sentido. Está ajustando a
regulação dos bancos médios e das fintechs para elevar a concorrência. Essas
instituições, mesmo sendo menores, podem fazer diferença. As cooperativas de
crédito são um bom exemplo. Têm taxas de juros mais baixas do que as de grandes
bancos e estão ampliando o crédito. O Banco Central também reduziu os depósitos
compulsórios (dinheiro dos clientes que os bancos são obrigados a depositar no
BC para controle de circulação de moeda), liberando recursos para o crédito.
Mas bancos centrais gostam de trabalhar pelo convencimento
antes de tomar medidas radicais. Chamam as instituições e avisam: "Olha,
com esse juro e essa inflação tão baixos, não faz sentido esse spread". A
pressão sobre os bancos está crescendo. E eles já estão sentindo. A mudança
agora é apenas questão de tempo.