sábado, 22 de abril de 2017

Ameaça de Trump contra a Coreia do Norte navegou para direção oposta

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/04/1876820-ameaca-de-trump-contra-a-coreia-do-norte-navegou-para-direcao-oposta.shtml

MARK LANDLER
ERIC SCHMITT
DO "NEW YORK TIMES"

19/04/2017  10h29

Uma semana atrás, a Casa Branca declarou que ordenar que um porta-aviões se posicionasse no Mar do Japão seria um forte sinal dissuasório para a Coreia do Norte e daria ao presidente Donald Trump mais opções de resposta ao comportamento provocativo dos norte-coreanos. "Vamos enviar uma armada", disse Trump em entrevista à Fox News, anunciando a operação.

O problema é que o porta-aviões, o USS Carl Vinson, e os três outros navios incluídos em sua força de ataque estavam, naquele exato momento, navegando na direção oposta, para participar de exercícios conjuntos com a marinha de guerra australiana no Oceano Índico, a 5.600 quilômetros da península coreana.

Funcionários da Casa Branca declararam na quarta-feira que suas declarações se baseavam em informações do Departamento de Defesa. E representantes do Pentágono descreveram uma sequência de confusões, de um anúncio sobre a operação feito em momento errado pelo Comando do Pacífico das forças armadas a uma explicação parcialmente incorreta oferecida pelo secretário da Defesa, Jim Mattis.

E tudo isso perpetuou a falsa narrativa de que a flotilha estava navegando em alta velocidade rumo a águas próximas à Coreia do Norte.

Quando a Casa Branca começou a receber perguntas sobre o Carl Vinson, a chegada iminente do porta–aviões já havia sido anunciada nas primeiras páginas de muitos jornais do leste asiático, o que alimentou temores de que Trump estivesse planejando um ataque preventivo. A decisão foi retratada como uma nova prova do estilo vigoroso do presidente, dias depois que ele ordenou um ataque de mísseis contra a Síria executado no momento em que ele e o presidente chinês Xi Jinping papeavam durante a sobremesa, em seu encontro na Flórida.

E porque Trump mesmo decidiu ressaltar a demonstração de força, disseram funcionários do Pentágono, negar a história se tornou difícil.

A informação sobre o porta-aviões errante jamais teria se espalhado se a Marinha não tivesse postado na Internet, segunda-feira, uma foto do Carl Vinson navegando rumo ao sul no estreito de Sunda, que separa as ilhas de Java e Sumatra, na Indonésia. A foto foi tirada no sábado, quatro dias depois que o secretário de imprensa da Casa Branca, Sean Spicer, descreveu a missão do navio no Mar do Japão.

Agora, o Carl Vinson está por fim navegando rumo à Coreia do Norte, e deve chegar à região na semana que vem, de acordo com funcionários do Departamento de Defesa. Porta-vozes da Casa Branca se recusaram a comentar sobre a confusão, encaminhando todas as questões ao Pentágono. "Sean discutiu o assunto uma vez, porque lhe perguntaram a respeito, e era tudo uma questão de processo", disse Michael Short, porta-voz da Casa Branca, sobre Spicer.

No entanto, em conversas particulares outros funcionários se disseram confusos sobre os motivos do Pentágono para não corrigir sua narrativa, se levarmos em conta as tensões na região e o fato de que Spicer e o assessor de segurança nacional de Trump, o tenente-general H. R. McMaster, estavam respondendo publicamente a perguntas sobre o assunto.

"O navio agora está no oeste do Oceano Pacífico e se move rumo ao norte", disse Dana White, principal porta-voz do Pentágono, na terça-feira. "O fato deveria ter sido comunicado com mais clareza, no momento do anúncio".

Os tropeços começaram no domingo, 9 de abril, quando o serviço de relações públicas da 3ª Frota da marinha norte-americana divulgou um comunicado informando que o almirante Harry Harris Jr., comandante das forças armadas norte-americanas na região do Pacífico, havia ordenado que o Carl Vinson, um porta-aviões nuclear da classe Nimitz, e sua força de ataque –dois destróieres e um cruzador– partisse de Cingapura em direção ao oeste do Pacífico. Como de hábito, a marinha não informou com precisão para onde a força-tarefa estava navegando, ou qual era exatamente sua missão.

Por conta do momento do anúncio, dificilmente seria necessário que o fizesse. Trump havia acabado de concluir uma conferência de cúpula de dois dias de duração com Xi em seu clube em Palm Beach, Mar-a-Lago, e a principal mensagem do encontro havia sido que a paciência dos Estados Unidos com o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, e seus programas nuclear e de mísseis, havia se esgotado.

Naquele domingo, McMaster disse à Fox News que o envio da força naval era "uma ação prudente", concebida para oferecer ao presidente "uma gama ampla de opções para a remoção" da ameaça representada por Kim.

O que a marinha não disse foi que o Carl Vinson precisava executar outra missão antes que pudesse navegar rumo ao norte –um exercício conjunto com a marinha australiana no Oceano Índico, planejado há muito tempo.

A mídia noticiosa da Coreia do Sul e do Japão, bem como o "New York Times", reportou a ordem a Harris como prova de que a crise estava se intensificando. Embora um porta-aviões não seja a arma preferencial para um ataque à Coreia do Norte –uma operação como essa mais provavelmente envolveria bombardeiros de longo alcance e mísseis de cruzeiro–, sua presença seria uma mensagem vívida de poderio militar.

Em 11 de abril, Trump alimentou os temores quanto a uma ação militar com um post matutino no Twitter: " A Coreia do Norte está procurando encrenca. Se a China decidir ajudar, ótimo. Se não, resolveremos o problema sem eles! USA".

Naquele mesmo dia, um repórter que presumia que o Carl Vinson estivesse navegando rumo ao norte perguntou a Spicer por que os Estados Unidos haviam decidido enviar o grupo de batalha do porta-aviões ao Mar do Japão.

"Um grupo de batalha de porta-aviões quer dizer muita coisa", respondeu Spicer. "Posicioná-lo em avanço significa dissuasão, presença". O porta-voz da Casa Branca acrescentou que "acho que quando você vê um grupo de batalha de porta-aviões entrando em uma área como aquela, sua presença avançada representa, em quase todos os casos, uma imensa dissuasão".

Spicer não mencionou o fato de que o Carl Vinson não estava na realidade navegando para a área, e que só o faria 14 dias mais tarde. Um importante funcionário do governo disse que o secretário de imprensa estava se baseando em informações fornecidas pelo Pentágono. Ele estava falando sobre o motivo para enviar o porta-aviões, disse esse funcionário, e não confirmando o cronograma da missão.

Uma hora depois da declaração de Spicer, Mattis, o secretário da Defesa, reforçou a percepção de que havia navios se encaminhando em alta velocidade para a área. Falando no Pentágono, ele disse que a Marinha havia divulgado o itinerário do Carl Vinson com antecedência porque o exercício com os australianos havia sido cancelado;. "Tínhamos de explicar por que o navio não estava no exercício", ele disse.

Mas Mattis misturou duas informações: Harris havia apenas cancelado uma visita do Carl Vinson ao porto de Fremantle, na Austrália, de acordo com funcionários do Pentágono, porque temia que imagens de marinheiros de licença na cidade seriam inadequadas em um momento no qual a Coreia do Norte estava disparando mísseis.

Depois de uma semana belicosa, alimentada por reportagens sobre a armada que se aproximava, as tensões diminuíram quando o final de semana passou com apenas uma parada militar em Pyongyang, e um teste fracassado de míssil.

Em seguida, na segunda-feira, a marinha postou uma foto do Carl Vinson, repleto de caças a jato, passando pelas águas da Indonésia. A foto atraiu a atenção do site Defense News, que publicou a notícia de que o porta-aviões estava a milhares de quilômetros de onde o mundo imaginava que ele estaria.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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