terça-feira, 28 de novembro de 2017

O lado obscuro do ‘milagre econômico’ da ditadura: o boom da desigualdade

Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/29/economia/1506721812_344807.html

Mesmo com o forte crescimento e criação de empregos no período militar, os salários foram achatados e a distância entre ricos e pobres cresceu

BEATRIZ SANZ
HELOÍSA MENDONÇA

São Paulo 28 NOV 2017 - 19:05 BRST

O Brasil polarizado tem reproduzido uma frase que estava na boca de alguns saudosistas de tempos em que notícias sobre violência e economia em marcha lenta pareciam raras. “Na época dos militares era melhor”, tornou-se bordão de quem viveu aqueles anos, e ignora a repressão e a presença de censores nos jornais da época para filtrar notícias negativas à ditadura.  A ideia ressurgiu inclusive entre jovens que se anunciam eleitores do pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro, por acreditar que no tempo do regime militar o Brasil era mais alentador do que os dias atuais. Bolsonaro alimenta essa ideia tecendo elogios ao período. Entre os argumentos mais utilizados pelo candidato e pelos defensores da intervenção para mostrar a eficácia do regime está a conquista do "milagre econômico", que ocorreu no Brasil entre 1968 e 1973. De fato, nesta época, o país conseguiu crescer exponencialmente, cerca de 10% ao ano, e atingiu, em 1973, uma marca recorde do Produto Interno Bruto (PIB), que aumentou 14%. O avanço veio acompanhado também de uma forte queda de inflação. A taxa, medida na época pelo Índice Geral de Preço (IGP), caiu de 25,5% para 15,6% no período.

O que não se explica diante desse número, entretanto, é o fato de o crescimento ter sido muito bom para empresários, e ruim para os trabalhadores. Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação, o que levou a perdas reais para os trabalhadores. A adoção de uma medida tão impopular só foi possível através do aparato repressivo do regime sobre os sindicatos, que diminui o poder dos movimentos e de negociação dos operários. Os militares também interferiram em diversos sindicatos, muitas vezes substituindo seus dirigentes. “Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”, explica Vinicius Müller, professor de história econômica do Insper. O arrocho salarial acabou aliviando os custos dos empresários e permitiu reduzir a inflação.

A melhora na atividade econômica se explicava, à época, por uma combinação de fatores. Uma conjuntura mundial mais favorável naqueles anos permitiu crédito externo farto e barato, por exemplo. O Brasil, por sua vez, criou regras que facilitaram a entrada de capital estrangeiro e investiu num programa de desenvolvimento do parque industrial além de reformas estruturais. O crescimento foi acompanhado pela abertura de novos postos de emprego no mercado formal e da expansão do consumo interno. Economistas ouvidos pelo EL PAÍS explicam que o milagre aconteceu principalmente regado a dinheiro internacional que aterrissou através da entrada de multinacionais que encontraram no Brasil um terreno propício para a expansão sob a tutela dos militares, e também por empréstimos advindos de fundos internacionais. Era um ambiente oposto ao do período anterior ao golpe de 1964, quando a grande convulsão política, em plena guerra fria, no país tornava o ambiente econômico incerto e afugentava o investidor.

Problemas sociais

Como a distribuição dos resultados do crescimento econômico foi bastante desigual, a concentração de renda também aumentou muito no período, especialmente entre a população que possuía um grau maior de instrução. Isso fez com que a desigualdade social conhecesse níveis nunca vistos antes. Em 1960, antes da ditadura, o índice de Gini, utilizado para medir a concentração de renda estava em 0,54 (o coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual) e pulou para 0,63 em 1977. Os economistas foram unânimes em dizer que os empresários e a classe média que possuía maior nível de instrução foram beneficiados em detrimento da parte mais pobre da população.

Os altos índices de crescimento do PIB vividos enquanto a ditadura esteve instalada no país também não foram acompanhados de uma melhora nos indicadores sociais. Foi exatamente o oposto do que aconteceu.

Além disso, como o governo militar fez uma escolha de investir maciçamente na industrialização, inclusive do campo, muitas pessoas decidiram abandonar o sertão com o sonho de tentar uma vida melhor na cidade, incentivando um êxodo rural sem planejamento e nunca revertido. Segundo o IBGE apenas 16% da população morava no interior do país em 2010.

O crescimento econômico durante a ditadura começou a ser alavancado durante o Governo de Castelo Branco, que adotou um ambicioso programa de reformas para equilibrar as contas públicas, controlar a inflação e desenvolver o mercado de créditos. Batizado de Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG), ele foi responsável por reformas fiscais, tributárias e financeiras. Castello Branco implementou diversas medidas no sentido de incentivar um maior grau de abertura da economia brasileira ao comércio e ao movimento de capitais com o exterior. A partir de 1964, também foram introduzidos na legislação brasileira diversos mecanismos de incentivos às exportações.

Mas foi no Governo do general Emílio Garrastazu de Médici, sob o comando do então ministro da Fazenda, Antonio Delfim Netto, que o projeto econômico teve como princípio o crescimento rápido, com expressivo aumento da produção – com destaque para indústria automobilística- e grandes obras de infraestrutura. “O Governo apostou em grandes obras e investimento estimulando o setor privado e usando o crescimento como propaganda para legitimar o regime durante a época mais repressiva da ditadura. Era muito importante que ele tivesse apoio de uma parte da sociedade”, explica Muller.

Foi nessa época que nasceu o primeiro Plano Nacional de Desenvolvimento (IPND). O plano investiu principalmente na construção de estradas e obras de infraestrutura, como por exemplo, a Ponte Rio-Niterói (começou em 1969 e foi inaugurada em 1974) e a nunca terminada rodovia Transamazônica.

Crise do petróleo

Na crista do ciclo do crescimento, a economia brasileira tão dependente de empréstimos estrangeiros, passou a enfrentar certa dificuldade quando uma forte crise econômica abalou o cenário internacional: o choque do petróleo. Conflitos entre países membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) derrubaram a oferta do insumo entre 1973 e 1974, fazendo os preços quase quadruplicarem no período (o barril subiu de três dólares para11,60), afetando países importadores como o Brasil.

“Com a crise internacional de 1973, temos uma quebra deste modelo econômico baseado no alto endividamento externo e, com isso, a economia vai perdendo força”, afirma o historiador Pedro Henrique Pedreira Campos, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Como a estabilidade econômica era um argumento essencial para a manutenção do governo militar, os economistas que faziam parte do regime optaram por não abrir mão do modelo e decidiram que o país deveria continuar crescendo a qualquer custo, mesmo que continuasse se endividando cada vez mais.

Foi nesse contexto que surgiu o segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (IIPND), este ainda mais ousado que o primeiro, que investiu especialmente na criação e expansão de empresas estatais. A Petrobras ganhou subsidiárias, a usina hidrelétrica de Itaipu foi construída, mostrando o quanto a geração de energia era uma bandeira importante naquele momento em que o Brasil ainda não tinha uma matriz energética estabelecida e necessitava da importação desse bem.

Muller destaca que “os militares tinham planejamento a longo prazo” e que a ideia inicial era de que o país ficasse independente da importação de energia e começasse a gerar renda com a sua produção própria, essa renda seria utilizada para saldar a dívida externa. O plano deles, entretanto, não contava com a retração das maiores economias que, em determinado momento, chegaram para cobrar a fatura. A crise se prolongou mais do que o Governo imaginava.

Mas a conta do crescimento desenfreado baseado em um alto grau de endividamento ficou para a redemocratização. Ao deixarem o poder em 1984, a dívida representava 54% do PIB segundo o Banco Central, quase quatro vezes maior do que na época que eles tomaram o poder em 1964, quando o valor da dívida era de 15,7% do PIB. A inflação, por sua vez, chegou a 223%, em 1985. Quatro anos depois, o país ainda não tinha conseguido se recuperar e ostentava um índice de inflação de 1782%. No jargão econômico, costuma-se dizer que os militares deixaram uma “herança maldita”.
“Embora o regime tenha aparelhado muito bem grande parte do nosso parque industrial, melhorado em aspectos técnicos e tecnológicos a infraestrutura, quando veio a conta, a conta veio muito alta”, explica Guilherme Grandi, professor da Faculdade de Economia e Administração da USP (FEA/USP)”

Os militares e a corrupção

Outra percepção recorrente é a de que no período da ditadura não havia corrupção. “Vários estudos já comprovaram que existia corrupção e era mais fácil que esses malfeitos ocorressem porque não havia investigação”, ressalta Grandi. Segundo ele, a relação promíscua entre interesses privados e órgãos públicos foi aprimorada nesse período.

Pedreira Campos é autor do livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-1988 que analisa mais profundamente essa relação. “Houve vários casos de corrupção na ditadura, principalmente no período da abertura envolvendo agentes do estado que foram acusados de se apropriar de recursos públicos”.

A ausência de notícias sobre corrupção no período tem também outra explicação. O Brasil viveu sob um regime de censura que foi estabelecida nos meios de comunicação que estavam orientados a publicar notícias que fossem favoráveis ao governo. E é por conta dessa propensão a maquiar a realidade que notícias denunciando escândalos de corrupção não estampavam a manchete dos jornais. “Um cenário como esse é ideal para a prática da corrupção, os indícios indicam que havia mais corrupção naquele período”, completa Pedreira Campos.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Queda de Mugabe teve espiões, complô de assassinato e reuniões na China

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1938563-queda-de-mugabe-teve-espioes-complo-de-assassinato-e-reunioes-na-china.shtml

MCDONALD DZIRUTWE
JOE BROCK
ED CROPLEY
DA REUTERS

27/11/2017  13h12

Dentro da residência presidencial em Harare, Robert Mugabe estava na situação mais difícil de seus 37 anos no poder. Havia tanques nas ruas, e tropas tinham ocupado a emissora de televisão estatal, de onde o Exército anunciara que havia tomado controle do Zimbábue.

Com 93 anos de idade, mas ainda alerta, Mugabe resistia. O único líder que o Zimbábue conhecera desde sua independência se negava a deixar o poder.

Numa reunião tensa com o alto escalão militar, em 16 de novembro, o chefe de Estado mais velho do mundo ordenou ao comandante militar Constantino Chiwenga: "Traga-me a Constituição e me diga o que ela diz", segundo duas pessoas presentes. Um assessor trouxe uma cópia da Constituição, que declara que o presidente é o comandante-chefe das forças armadas.

Chiwenga hesitou antes de responder que o país estava diante de uma crise nacional que exigia uma intervenção militar. Mugabe, segundo os presentes, retorquiu que o problema era o Exército. Então o presidente pressionado indicou que talvez fosse possível encontrarem uma solução juntos.

A reunião marcou o início de cinco dias de impasse extraordinário entre Mugabe e a lei suprema do Zimbábue, de um lado, e, do outro, as forças armadas, seu partido político e a população zimbabuana.

Os generais queriam Mugabe fora do poder, mas buscavam um golpe "pacífico", que não manchasse irreparavelmente a reputação da administração que queria assumir o poder, segundo múltiplas fontes militares e políticas.

O presidente aceitou a derrota, finalmente, apenas depois de ter sido afastado por seu próprio partido, o Zanu-PF, e enfrentado a desonra do impeachment. Ele assinou uma carta de renúncia endereçada ao presidente do Parlamento, Jacob Mudenda, que foi lida em voz alta aos parlamentares em 21 de novembro.

Mugabe, que comandara o país desde 1980, assistindo a seu mergulho na ruína econômica sem nada fazer enquanto sua mulher comprava artigos de luxo, tinha caído.

O país explodiu em alegria. Parlamentares dançaram, e dezenas de milhares de pessoas saíram às ruas para festejar uma queda política que transmitiu ondas de choque pela África e o mundo.

Uma semana apenas antes, muitos teriam visto a queda de Mugabe como algo impensável.

A Reuters investigou os fatos que levaram ao afastamento de Mugabe, mostrando que a ação do exército foi o momento culminante de meses de planejamento que envolveu Harare, Johannesburgo e Pequim.

RIVALIDADE ACIRRADA

Em setembro, baseada em um manancial de documentos de inteligência da temida CIO (Organização Central de Inteligência) do próprio Mugabe, a Reuters divulgou que o exército apoiava o nome deEmmerson Mnangagwa, o então vice-presidente, para suceder Mugabe quando chegasse a hora.

O informe detalhou como Mnangagwa, amigo vitalício de Mugabe e seu ex-chefe de segurança, poderia cooperar com os adversários políticos do presidente para reativar a economia. O documentou provocou furor nos círculos políticos e de mídia zimbabuanos.

Uma rivalidade aguda se intensificou entre Mnangagwa e Grace, 52, mulher de Mugabe, que também esperava assumir a presidência e tinha o apoio de uma facção do Zanu-PF conhecida como G40.

No início de outubro, Mnangagwa disse que foi levado de avião a um hospital na África do Sul depois de ser alvo de uma tentativa de envenenamento em agosto. Ele não apontou para nenhum suspeito –mas não precisava fazê-lo.

Grace reagiu rapidamente, negando envolvimento na tentativa de assassinato e acusando seu rival de tentar angariar apoio. De acordo com reportagem no jornal estatal "Herald", ela minimizou a importância de Mnangagwa e o descreveu como nada mais que um funcionário de seu marido.

Enquanto a pressão se intensificava, Mugabe ficava cada vez mais paranoico em relação à possível deslealdade do chefe do exército, Constantino Chiwenga, militar de carreira e veterano condecorado da guerra zimbabuana contra o governo de minoria branca, nos anos 1970.

Os espiões do presidente, que permeavam todas as instituições e todos os setores da sociedade no Zimbábue, o estavam avisando que os militares não aceitariam Grace como presidente.

"Mugabe está muito preocupado com a possibilidade de um golpe", disse um relatório de inteligência datado de 23 de outubro. "Figuras seniores da CIO lhe disseram abertamente que os militares não aceitarão a nomeação de Grace de boa vontade. Ele foi avisado que deve se preparar para uma guerra civil."

A Reuters teve acesso ao documento e a centenas de outros relatórios de inteligência datados de a partir de 2009, anteriores ao golpe. Os documentos vêm do interior da CIO, mas a Reuters não conseguiu determinar quem os redigiu. A CIO é dividida em facções pró e anti-Mugabe.

No final de outubro, Mugabe convocou Chiwenga para uma discussão cara a cara, revela outro dos documentos, datado de 30 de outubro. Mugabe, segundo o texto, perguntou ao comandante militar sobre seus vínculos com Mnangagwa e lhe disse que fazer oposição a Grace lhe custaria sua vida.

Segundo o relatório de inteligência, "Chiwenga foi avisado por Mugabe que é hora de ele começar a seguir [obedecer suas ordens]. Ele mencionou a Chiwenga que aqueles que combatiam sua mulher certamente teriam uma morte dolorosa."

Nesse mesmo encontro Mugabe ordenou a Chiwenga que jurasse lealdade a Grace. Chiwenga se negou a fazê-lo. "Chiwenga se negou a ser intimidado", diz o relatório. "Ele se conservou firme na lealdade a Mnangagwa."

A Reuters enviou perguntas ao porta-voz de Mugabe, George Charamba, sobre essa discussão e outros pontos deste artigo. Em mensagem enigmática datada de 23 de novembro, Charamba respondeu: "Curta texto da Reuters. Boa noite." Dois representantes de Chiwenga se negaram a comentar.

Após outro encontro tenso com Mugabe em 5 de novembro, Chiwenga deixou Harare numa viagem oficial previamente organizada com destino à China, que, como a maior investidora em Zimbábue, exerce influência importante no país.

Um dia depois, Mugabe afastou Mnangagwa da vice-presidência e o expurgou do Zanu-PF, o movimento de libertação no qual Mnangagwa serviu desde sua juventude e pelo qual quase foi executado quando era militante jovem e foi flagrado detonando uma bomba num trem.

Para os generais, Mugabe tinha ido longe demais. De acordo com uma fonte militar, os militares imediatamente ativaram o alerta "código vermelho", o nível de alerta mais alto.

COMPLÔ DE ASSASSINATO

Momentos após o afastamento de Mnangagwa, em 6 de novembro, o esquema de segurança dedicado a ele e sua residência foi desativado, segundo declaração que ele emitiu mais tarde. Ele foi informado que corria perigo de vida.

"Agentes de segurança amigos me avisaram que um plano estava sendo traçado para me prender, levar a uma delegacia de polícia e me eliminar", disse Mnangagwa em comunicado emitido em 21 de novembro. "Para minha própria segurança, era melhor eu deixar o país imediatamente."

De Harare, Mnangagwa conseguiu atravessar a fronteira do vizinho Moçambique, de onde teria embarcado num avião para a China, segundo uma fonte familiarizada com seus movimentos. Ali, reuniu-se com Chiwenga, segundo a fonte.

A Reuters não pôde confirmar a informação, mas um relatório de inteligência de 13 de novembro indica que Mugabe suspeitava que alguns de seus generais estivessem na China, preparando sua deposição.

"Vários generais já estão na China, prontos para planejar a deposição de Mugabe com Mnangagwa", dizia o relatório. O texto não deixou claro quais eram os generais, nem se sua viagem à China tinha sido autorizada.

Os espiões de Mugabe suspeitavam que aliados antigos tivessem se voltado contra o presidente envelhecido. Um relatório de inteligência de 30 de abril dizia que Pequim e Moscou eram favoráveis a uma mudança de regime, frustrados com a implosão econômica do Zimbábue sob Mugabe.

"China e Rússia querem mudanças", disse o relatório. "Querem mudanças no Zanu-FP. Estão fartas da liderança de Mugabe."

"Os dois países estão até dispostos a fornecer armas de guerra a Mnangagwa clandestinamente para ele combater Mugabe."

Nem o Ministério da Defesa nem o Ministério do Exterior chineses responderam a pedidos de declarações. O Ministério do Exterior tinha dito anteriormente que a visita de Chiwenga foi "um intercâmbio militar normal acordado previamente pela China e o Zimbábue".

A Reuters enviou por escrito pedidos de declarações ao Kremlin, ao Ministério da Defesa e ao Ministério do Exterior russos. Nenhum deles respondeu.

A China se interessa pelo Zimbábue há anos, tendo apoiado as forças de Mugabe durante a luta pela libertação. Após a independência zimbuana, criou laços com o país nas áreas de mineração, segurança e construção.

A Rússia também tem vínculos com o Zimbábue desde o início da década de 1980, e em 2014 um consórcio russo formou uma parceria para desenvolver um projeto de mineração de platina no país, no valor de US$ 3 bilhões.

A viagem de Chiwenga à China culminou com um encontro dele com o ministro da Defesa, Chang Wanquan, em 10 de novembro.

Duas fontes informadas sobre o que foi discutido no encontro disseram à Reuters que Chiwenga pediu à China que concordasse em não interferir se ele assumisse o controle do Zimbábue temporariamente para depor Mugabe. Chang lhe assegurou que Pequim não se envolveria, e, segundo as fontes, os dois também discutiram táticas que poderiam ser usadas durante o golpe "de facto".

A Reuters não pôde averiguar se Mnangagwa se reuniu com Chang.

Informado sobre as discussões na China, Mugabe convocou o comissário de polícia, Augustine Chihuri, ainda leal a ele, e seu vice, Innocent Matibiri, encarregando-os de prender Chiwenga quando retornasse a Harare.

Os dois reuniram um pelotão de cem policiais e agentes de inteligência. Mas o complô foi vazado, e partidários de Chiwenga conseguiram reunir uma equipe de várias centenas de agentes e soldados das forças especiais para receber seu comandante quando o avião dele se aproximava da cidade.

Segundo uma fonte de segurança, alguns deles estavam disfarçados de carregadores, com seus uniformes militares e armas escondidos sob macacões e coletes de alta visibilidade.

Percebendo que perdiam em número e armas para o grupo contrário, a equipe de policiais leais a Mugabe recuou, permitindo que Chiwenga desembarcasse sem incidente, segundo a fonte de segurança.

O porta-voz de Mugabe não comentou o incidente.

"MUITO ALARMADOS"

Dois dias depois, Chiwenga e um grupo de comandantes militares pediram uma reunião com Mugabe em sua residência oficial em Harare, uma mansão colonial com leopardos empalhados e espessos tapetes vermelhos.

Eles se disseram "muito alarmados" com o afastamento de Mnangagwa e pediram a Mugabe que controlasse sua esposa e a facção G40, leal a ela, que acusavam de tentar dividir as forças armadas. A informação é de um funcionário governamental que estava presente na reunião.

"O que vocês acham que deve ser feito?" perguntou Mugabe aos militares, reclinado numa poltrona.

Os generais lhe pediram garantias de que também eles não seriam expurgados. A resposta de Mugabe foi ambígua, segundo a fonte governamental. Chiwenga disse ao presidente que levaria a público suas preocupações com a facção G40.

Horas depois, Chiwenga chamou repórteres ao quartel principal do exército em Harare para divulgar um comunicado.

"Precisamos recordar aos responsáveis pelas manobras e traições que as forças armadas não vão hesitar em intervir para proteger nossa revolução", ele disse, lendo um texto preparado.

Na tarde seguinte, a Reuters informou que seis veículos blindados de transporte de tropas se dirigiram ao quartel-general da Guarda Presidencial de Mugabe, na periferia de Harare. Não estava claro quem os comandava.

A população da capital estava ansiosa, mas ainda não sabia o que significava toda a movimentação.

O TELEFONE FICOU MUDO

Às 18h do dia 14 de novembro, o comboio de Mugabe se dirigiu à sua residência particular, conhecida como "Blue Roof", no subúrbio de Borrowdale.

Enquanto isso, as redes sociais fervilhavam com imagens de veículos blindados percorrendo as estradas em direção a Harare e especulações sobre um possível golpe.

Cada vez mais preocupada, pouco após as 19h Grace telefonou a um ministro do gabinete pedindo que o WhatsApp e o Twitter fossem fechados. A informação é de uma fonte que teve acesso a uma gravação da conversa.

O ministro, cuja identidade a Reuters não está informando por razões de segurança, respondeu que tal iniciativa seria da alçada do ministro de Segurança do Estado, Kembo Mohadi.

"Ninguém vai tolerar um golpe. Isso não pode acontecer", disse Grace, conhecida comumente como Amai ("Mãe"), segundo uma fonte que ouviu a gravação.

A voz de Mugabe é ouvida na linha: "Como vocês ouviram de Amai, há algo que se possa fazer?"

O ministro deu a mesma resposta, sobre as responsabilidades da Segurança de Estado, e então o telefone ficou mudo.

Mohadi se negou a comentar o assunto.

Duas horas mais tarde, dois veículos blindados entraram na sede em Pockets Hill da emissora Zimbabwe Broadcasting Corporation (ZBC),

Dezenas de soldados fecharam a sede e invadiram o estúdio, onde enfrentaram profissionais, confiscaram seus telefones e interromperam a transmissão de programas. A ZBC, pertencente ao governo e vista amplamente como porta-voz de Mugabe, trocou sua programação normal por vídeos de música pop.

O círculo mais próximo de Mugabe, composto quase inteiramente por membros do G40, não fazia ideia do que estava acontecendo, segundo quatro fontes que acompanharam suas conversas.

O ministro da Informação, Simon Khaya Moyo, ligou para o ministro da Defesa, Sydney Sekeramayi, para perguntar se ele tinha informações sobre um possível golpe. Sekeramayi disse que não, mas tentou averiguar com o comandante militar Chiwenga.

Este disse que retornaria a ligação de Sekeramayi. Segundo as fontes, ele não o fez.

Moyo se encontra escondido, e não foi possível obter declarações dele. Sekeramayi se negou a dar declarações.

ESQUEMA DE SEGURANÇA

Enquanto os ministros da facção G40 tentavam desesperadamente descobrir o que estava acontecendo, os homens de Chiwenga cercaram a residência de Mugabe.

Segundo uma fonte informada sobre a situação, Albert Ngulube, diretor da CIO e chefe do esquema de segurança de Mugabe, estava voltando para sua casa de carro às 21h30 depois de visitar Mugabe. Ele topou com um carro blindado na Borrowdale Brooke, uma rua lateral que conduz à casa de Mugabe.

Quando Ngulube ameaçou atirar nos soldados, eles o espancaram e detiveram. Ngulube foi solto mais tarde, mas, segundo a fonte, sofreu ferimentos faciais e cranianos.

Representantes de Chiwenga e Mnangagwa se negaram a dar declarações. A Reuters não pôde contatar Ngulube.

Outros ministros do G40 também foram apreendidos por militares. O ministro das Finanças, Ignatius Chombo, foi encontrado escondido num banheiro de sua casa e espancado, sendo então detido em local não revelado por mais de uma semana.

Libertado em 24 de novembro, ele foi internado num hospital com ferimentos nas mãos, nos braços e nas costas, segundo disse à Reuters seu advogado, que descreveu a ação do exército como "brutal e draconiana".

Soldados detonaram com explosivos a porta da casa de Jonathan Moyo, o cérebro do G40, segundo imagens em vídeo vistas pela Reuters. Outros invadiram a residência do ministro do Governo Local Saviour Kasukuwere, outro partidário crucial de Grace.

Os dois ministros conseguiram fugir para a residência de Mugabe. Contatado pela Reuters pouco após a meia-noite de 15 de novembro, Kasukuwere estava audivelmente estressado. "Não posso falar, estou numa reunião", ele disse antes de desligar.

Mugabe se aferrou à presidência por mais uma semana, enquanto Chiwenga e suas forças tentavam organizar uma saíde pacífica e quase legal para o líder.

Mas Mugabe desistiu, finalmente, quando o Parlamento deu início a um processo de impeachment, em 21 de novembro. Após 37 anos no controle, período no qual boa parte do país mergulhou na pobreza, sua carta de renúncia disse que ele se afastava "por preocupação com o bem-estar do povo de Zimbábue".

Tradução de CLARA ALLAIN

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Mugabe caiu, mas sua máquina de roubar está instalada no Zimbábue

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937869-mugabe-caiu-mas-sua-maquina-de-roubar-esta-instalada-no-zimbabue.shtml

ANÁLISE

TODD MOSS
DA "FOREIGN POLICY"

24/11/2017  07h00

Robert Mugabe fez suspense com a população zimbabuana até o amargo final, mas seu reinado de 37 anos terminou, finalmente. Porém, ele vai lançar uma sombra comprida sobre a política de seu país por muitos anos ainda.

Único líder que a nação conheceu desde o final do governo minoritário branco, em 1980, ele presidiu em meio à queda do Zimbábue. De potencial potência regional o país decaiu para Estado predatório que atende aos interesses apenas dos mais corruptos e venais.

No passado o país exportava alimentos, mas hoje metade da população rural depende da generosidade internacional para sobreviver. Os enormes protestos do fim de semana foram uma rejeição evidente a esse legado.

Mas, com a União Nacional Africana Zimbabuana (Zanu-PF) de Mugabe ainda firme no poder, as perspectivas de reformas reais são poucas, embora não totalmente inexistentes.

Algumas pessoas esperam que Emmerson Mnangagwa, ex-vice deposto por Mugabe que virou seu sucessor, forme uma autoridade de transição inclusiva para administrar o país até as eleições, possivelmente já em agosto de 2018.

Isso permitiria que os militares voltassem aos quartéis e que novas autoridades iniciassem negociações emergenciais com os credores do país.

A economia zimbabuana se encontra quase em queda livre, sofrendo de uma escassez aguda de dinheiro vivo, mas essa situação não será corrigida enquanto não for saldada uma dívida atrasada de cerca de US$ 5 bilhões e o país obtiver uma nova linha de crédito.

Para ter credibilidade, porém, o governo de transição precisaria incluir figuras como o veterano líder oposicionista Morgan Tsvangirai, o respeitado ex-ministro financeiro Tendai Biti, a ex-vice-presidente Joice Mujuru e o político veterano Welshman Ncube, entre outros.

Eles com certeza precisariam de garantias de que as autoridades de transição vão exercer poder real, especialmente de reformar o sistema eleitoral.

Uma possibilidade mais pessimista, mas muito mais provável, é que Mnangagwa simplesmente assuma o poder. O novo dirigente zimbabuano é um dos criadores desse sistema de repressão e controle que enriqueceu um grupinho no topo, através de um vasto império de corrupção.

Ele pode atrair um ou dois líderes oposicionistas para exercerem papéis cerimoniais, mas é pouco provável que ceda influência real. Foi o que aconteceu no último governo de união nacional, entre 2009 e 2013.

Na época, a oposição ganhou um lugar nominal no comando do país após Mugabe ter lançado uma campanha de assassinatos, tortura e estupros para influenciar indevidamente a eleição de 2008.

Tsvangirai e outros têm muita consciência dessa armadilha, mas é possível que sejam pressionados a participar, à espera de concessões. Seria uma aposta altamente perigosa a fazer com Mnangagwa, apelidado de 'crocodilo' por ser tão implacável como chefe de segurança.

CONCORDÂNCIA

Esse cenário mais pessimista —de uma junta militar disfarçada— só sobrevive a longo prazo com a concordância pelo menos tácita da comunidade internacional. Infelizmente, a África do Sul e o Reino Unido já teriam indicado preferência pela estabilidade de curto prazo.

Os países podem estar dispostos a deixar Mnangagwa no comando do Zimbábue por cinco anos, para mostrar o que pode fazer. Como resultado, Londres e Pretória perderam sua credibilidade como mediadores entre o regime e a oposição —exemplo disso foi a reivindicação de que a África do Sul ficasse de fora da transição.

Os EUA veem o Zimbábue de outra forma. Uma lei de 2001 define condições rígidas para a reaproximação entre os dois países e o novo dirigente e o chefe militar, Constantino Chiwenga, estão na lista de alvos de sanções americanas.

A Casa Branca também tem influência em qualquer reestruturação de dívida ou concessão de novos créditos. Antes de dar fim à dívida, Washington é obrigada a exigir a realização de eleições livres, justas e com credibilidade.

A sobrevivência em longo prazo de qualquer novo governo zimbabuano vai depender do fim da crise. Mas o Zanu-PF têm uma capacidade surpreendente de resistir a reformas. Assim como Mugabe se aferrou ao poder até o fim, a máquina de saques que ele deixou pode continuar a funcionar, custe o que custar.

Tradução de CLARA ALLAIN

Ex-vice de Mugabe, Mnangagwa toma posse como presidente do Zimbábue

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937885-ex-vice-de-mugabe-mnangagwa-toma-posse-como-presidente-do-zimbabue.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

24/11/2017  08h14

Emmerson Mnangagwa tomou posse na manhã desta sexta-feira (24) como presidente do Zimbábue em uma cerimônia em um estádio em Harare, capital do país, dando fim aos 37 anos da ditadura de Robert Mugabe.

As milhares de pessoas no local aplaudiram quando Mnangagwa, 75, fez seu juramento, no qual prometeu respeitar a Constituição e proteger os direitos de todos os cidadãos do país. Em seu discurso, o novo presidente prestou uma homenagem a Mugabe, a quem chamou de "pai da nação", e prometeu combater a pobreza e a corrupção.

"Aceitamos e reconhecemos todos sua imensa contribuição para construção de nossa nação", declarou Mnangagwa sobre o ex-ditador durante seu pronunciamento.

O novo presidente também prometeu indenizar os fazendeiros brancos que foram violentamente expulsos de suas propriedades por Robert Mugabe no início dos anos 2000.

"Meu governo está comprometido em compensar esses fazendeiros cujas propriedades foram confiscada", declarou em sua primeiro fala como chefe de Estado.

Disse ainda que essas reformas são inevitáveis. "Vamos criar empregos para nossa juventude e reduzir a pobreza de nossa população", disse ele, ao prometer que os atos de corrupção vão acabar em seu governo.

Conhecido como "Crocodilo", o novo presidente foi chefe de segurança e vice de Mugabe, que renunciou na terça-feira (21) após grande pressão interna.

Mnangagwa foi afastado do cargo de vice pelo ditador no início de novembro, em uma sinalização de que Mugabe apontaria a primeira-dama Grace para sucedê-lo.

Com isso, os militares foram para as ruas e detiveram o ditador, pressionando por sua renúncia. O partido governista Zanu-PF afastou Mugabe e também exigiu que ele deixasse o cargo, o que ele fez na terça, após negociar um acordo de imunidade para ele e sua família.

Com isso, Mnangagwa, que tinha deixado o país após seu afastamento, retornou a Harare para assumir à Presidência e prometeu respeitar o Estado de Direito.

"O povo falou. A voz do povo é a voz de Deus" disse ele na quarta (22) na sede do Zanu-PF pouco depois de voltar ao país.

Parte dos analistas, porém, questionam o passado do novo presidente durante a ditadura Mugabe, em especial sua possível participação nos massacres de gukurahundis em 1983. Estimativas apontam que até 20 mil pessoas podem ter morrido em um ataque do Exército contra oposicionistas —Mnangagwa nega ligação com o episódio.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Ex-ditador do Zimbábue, Mugabe recebeu imunidade para renunciar

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937558-ex-ditador-do-zimbabue-mugabe-recebeu-imunidade-para-renunciar.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
DE SÃO PAULO

23/11/2017  11h12 - Atualizado às 19h42

O ex-ditador do Zimbábue Robert Mugabe, 93, recebeu imunidade de processos judiciais e garantias de que sua segurança será preservada, como parte do acordo que levou à sua renúncia, anunciada na última terça-feira (21).

Em entrevista à agência de notícias Associated Press, o chefe da União Nacional Africana Zimbabuana (Zanu-PF), Lovemore Matuke, disse que enviar o mandatário aos tribunais nunca fez parte dos planos do partido do regime.

"Ele está seguro, sua família está segura e sua condição de herói do país está garantida. O que pedimos foi a renúncia ou o impeachment."

Ao jornal britânico "The Guardian", o deputado Ziyambi Ziyambi afirmou que Mugabe e sua mulher, Grace, 52, terão os mesmos benefícios de um ex-presidente.

Membros do governo disseram à agência de notícias Reuters que o ex-mandatário deseja morrer no país, motivo pelo qual colocou como condição da renúncia a manutenção de sua segurança.

Mugabe não se manifestou oficialmente desde o fim de semana, quando havia dito que não pretendia renunciar.

Nesta quinta, zimbabuanos circularam nas redes sociais uma foto do ex-ditador e da mulher sentados em um sofá, ao lado de assessores.

Nela, Mugabe está com os olhos fechados e Grace aparece com cara de prostração. Não se pôde verificar, porém, a data e as condições em que foi feita a imagem.

Um dos líderes mais longevos e duradouros da África pós-colonial, Mugabe comandava o Zimbábue desde 1980. Sua renúncia veio depois que o Exército tomou o poder do país e o partido que ajudou a criar se voltou contra ele.

A principal causa do levante foi a deposição do vice, Emmerson Mnangagwa, 75, apoiado pelos militares e a ala majoritária do Zanu-PF, para favorecer sua mulher em uma futura sucessão.

Mnangagwa deverá assumir o comando do Zimbábue nesta sexta (24). Pelo protocolo, Mugabe poderia até participar da cerimônia de posse, prevista para ocorrer um estádio de Harare, mas isso não foi confirmado até o momento.

Em comunicado nesta quinta, o novo dirigente pediu aos zimbabuanos que não tenham qualquer reação vingativa contra o ex-ditador.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Ex-vice de Mugabe usou discrição para chegar ao poder no Zimbábue

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937216-ex-vice-de-mugabe-usou-discricao-para-chegar-ao-poder-no-zimbabue.shtml

DA REUTERS

22/11/2017  07h00

Quando o líder zimbabuano Robert Mugabe, 93, destituiu seu vice-presidente diante de gritos de aprovação da parte de 12 mil membros de seu partido, em 2014, Emmerson Mnangagwa, 75, sentado discretamente em meio aos espectadores e usando com um boné de beisebol com a aba puxada para baixo, manteve a reserva.

O homem que mais tinha a ganhar com a destituição não deixou que aquilo que sentia transparecesse, e se limitou a aplaudir gentilmente, mantendo uma expressão neutra —uma tática de sobrevivência aperfeiçoada ao longo de suas cinco décadas de serviços ao temperamental ditador. Mas o boné que ele usava revelava muita coisa.

Inscritas na parte frontal, ao lado de uma efígie de Mugabe, havia quatro palavras: "Indigenizar, Empoderar, Desenvolver, Empregar" —um slogan da União Nacional Africana Zimbabuana (ZANU-PF), o partido governante do Zimbábue. Naquele dia, ele se tornou o vice.

Mnangagwa, cuja destituição do posto este mês causou a explosão da crise política no Zimbábue, agora está se preparando para assumir a presidência, depois da renúncia de Mugabe na terça-feira, que pôs fim a quase quatro décadas de poder.

Mnangagwa deve ser empossado até quinta (23), disse Patrick Chinamasa, secretário legal do ZANU-PF, à Reuters. Chinamasa, que lidera a bancada do partido no Legislativo, disse que o vice completaria o mandato de Mugabe até a eleição presidencial de setembro de 2018.

Mas há questões sobre a maneira pela qual Mnangagwa governará o país, liderado por Mugabe desde a independência, em 1980.

Em uma declaração divulgada de seu local de esconderijo, na terça-feira (21), Mnangagwa afirmou que os zimbabuanos de todas as áreas precisam trabalhar juntos para reconstruir a economia dilapidada e uma sociedade profundamente polarizada.

"Meu desejo é unir todo os zimbabuanos em uma nova era, na qual corrupção, incompetência, descumprimento do dever e indolência, e decadência social e cultural, não sejam tolerados", ele afirmou.

"Nesse novo Zimbábue, é importante que todos se deem as mãos para que possamos reconstruir a nação em sua plena glória. Esse não é uma tarefa apenas para o ZANU-PF, mas para todo o povo do Zimbábue".

ALTA CONFIANÇA

Mnangagwa era um dos subordinados de maior confiança de Mugabe, tendo se mantido ao lado do líder na prisão, na guerra e no governo. Com sua indicação em 2014 para o posto de vice-presidente, ele parecia bem posicionado para se tornar o sucessor do mais velho dos chefes de Estado africanos.

"Não há argumento sobre suas credenciais para oferecer liderança forte e estabilidade, mas há questões sobre sua capacidade de democracia", disse Eldred Masunungure, professor de ciência política na Universidade do Zimbábue.

Falando ao Legislativo em 2014, Mnangagwa reforçou a mensagem que exibia no boné, anunciando revisões nos estatutos do ZANU-PF que davam ao Estado "total propriedade e controle" dos recursos naturais do país.

Foi uma percepção importante sobre a forma de vida que o partido estava contemplando depois da partida de Mugabe. "Continuaremos para sempre donos de nosso destino", disse o vice, sob aplausos dos espectadores.

Ao longo do caminho, ele ganhou o apelido "Ngwena", palavra que significa "crocodilo" no idioma shona —um animal famoso no Zimbábue por sua capacidade de se manter oculto e por sua ação implacável.

Ele apoiou o nacionalismo econômico de Mugabe, especialmente a campanha para forçar empresas estrangeiras a vender participações majoritárias a moradores negros locais, o que sugere que pode não ser o líder pragmático e simpático ao livre mercado que muitos investidores esperavam.

Mnangagwa fez parte de todos os governos do Zimbábue desde a independência, em posições muito variadas, ocupando os ministérios da Segurança, Defesa e Finanças e servindo como presidente do Legislativo.

Um dos aspectos mais controversos de sua carreira é que ele estava no comando da segurança interna do país na metade dos anos 80, quando Mugabe usou uma brigada de elite treinada por norte-coreanos para combater rebeldes leais ao seu rival Joshua Nkomo.

Organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que 20 mil civis, a maioria dos quais da tribo ndebele, foram mortos na campanha. O ditador nega um genocídio ou crimes contra a humanidade, mas admitiu que o ocorrido foi "um momento de loucura".

O papel de Mnangagwa no episódio continua envolto em mistério, o que é típico de um operador político treinado como guerrilheiro comunista na China dos anos 60, e que se sempre se manteve nas sombras por trás de Mugabe.

Discreto e insular, ele prefere operar abaixo do radar, dizem pessoas que o conhecem bem, e, se acuado recorre a brincadeiras e conversa genérica para evitar discussões sérias.

"Eu não diria que ele é dissimulado, mas é correto afirmar que sua posição padrão é a de brincar e tentar mudar de assunto fazendo inúmeras perguntas, quando está diante de questões desagradáveis", disse um legislador próximo a Mnangagwa.

"Ele tem muita consciência de que sua imagem pública é a de um homem da linha dura, mas sua personalidade é muito mais complexa —um sujeito agradável, e um ótimo contador de casos", disse o político, que vem de Midlands, a província de origem de Mnangagwa.

INDICAÇÃO PÓS-EXPURGO

A indicação dele como vice-presidente veio um dia depois que seu predecessor Joice Mujuru foi demitido por supostamente planejar a derrubada de Mugabe.

Perguntado se o expurgo enfraqueceria o partido, Mnangagwa respondeu, sorrindo, que "a revolução sempre encontra maneiras de se reforçar. Passa por ciclos e esse é outro ciclo no qual ela se livra de elementos que agora se tornaram incompatíveis com a linha correta".

Ele aprendeu sobre política na prisão, nos anos 60, depois de ser sentenciado à morte pelas autoridades britânicas, por sabotagem. Ele foi capturado quando era parte de uma das primeiras unidades de guerrilha que combatiam o domínio colonial branco sobre a então Rodésia.

Só escapou da forca porque tinha 19 anos e uma lei proibia que condenados com menos de 21 anos de idade fossem executados.

Depois de uma década na prisão, por boa parte do tempo dividindo a cela com Mugabe, Mnangagwa se tornou assistente pessoal do líder da luta pela libertação, e mais tarde comandou o temido serviço de segurança do movimento guerrilheiro.

Em janeiro, uma foto na mídia local o mostrava tomando uma bebida com um amigo; em suas mãos, uma grande caneca portava a inscrição "I'm the Boss" (Sou o chefe, em inglês).

Para os partidários de Mugabe isso representava praticamente uma traição. Eles passaram a suspeitar que Mnangagwa se via ocupando o posto do líder em breve.

Quando o ditador o destituiu da vice-presidência este mês por mostrar "traços de deslealdade", ele tirou de cena um possível sucessor que também era um de seus últimos camaradas da guerra de libertação que ainda estava no poder.

Mas o relacionamento entre os dois já tinha esfriado, depois que aliados de Mnangagwa deram a entender, em abril, que ele havia sido envenenado por um sorvete produzido por uma empresa de laticínios controlada pelos Mugabe.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Ex-vice de Mugabe volta ao Zimbábue e toma posse como presidente na sexta

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937225-ex-vice-de-mugabe-vai-tomar-posse-como-presidente-do-zimbabue-na-sexta.shtml

DA REUTERS

22/11/2017  09h03 - Atualizado às 13h40

O ex-vice-presidente do Zimbábue Emmerson Mnangagwa tomará posse como presidente do país na sexta-feira (24), após a renúncia de Robert Mugabe que pôs fim a quase quatro décadas no poder, afirmou a emissora estatal ZBC nesta quarta-feira (22).

O presidente do Parlamento, Jacob Mudenda, disse que Mnangagwa é o indicado do partido governista Zanu-PF como novo líder e confirmou que a cerimônia vai acontecer na sexta.

Mnangagwa, que fugiu do país por temer por sua segurança depois que Mugabe o demitiu há duas semanas, voltou ao país também nesta quarta e está na capital, Harare, onde vai se encontrar com líderes políticos.

A demissão de Mnangagwa levou o Exército a tomar o poder, retirando Mugabe do cargo.

A queda de Mugabe foi repentina para um homem antes festejado em toda a África como um herói libertador por conduzir sua nação à independência do Reino Unido em 1980 após uma guerra.

O líder de 93 anos se recusou a deixar o poder durante uma semana após o levante militar, mesmo após pedidos de seu próprio partido, o Zanu-PF, para que ele saísse.

O ditador finalmente renunciou na terça-feira (21) momentos depois de o Parlamento iniciar um processo de impeachment visto como a única via legal para forçá-lo a sair.

Pessoas dançaram e carros tocaram buzinas nas ruas de Harare após a notícia de que a era Mugabe finalmente terminou. Algumas pessoas exibiam pôsteres de Mnangagwa e do chefe do Exército, general Constantino Chiwenga.

Veja os principais ditadores depostos na África e os que seguem no poder

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937235-saiba-quem-sao-os-principais-ditadores-africanos-que-ja-foram-depostos.shtml

DE SÃO PAULO

22/11/2017  11h23 - Atualizado às 15h14

Robert Mugabe renunciou na terça-feira (21) à Presidência do Zimbábue, pondo fim a 37 anos de ditadura no país.

Com isso, ele se juntou a uma longa lista de líderes autoritários africanos que deixaram o poder, seja por meio de golpes, de assassinatos ou de revoltas populares.

Conheça abaixo alguns dos principais ditadores africanos depostos.

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DITADORES AFRICANOS
Veja os principais líderes já depostos no continente

Pedro Ladeira - 16.jun.2014/Folhapress
 O José Eduardo dos Santos, de Angola, durante visita ao Brasil em 2014
O José Eduardo dos Santos, de Angola, durante visita ao Brasil em 2014
José Eduardo dos Santos - Angola (1979-2017)
Assumiu o comando do país após a morte do presidente Agostinho Neto e implementou uma ditadura de tendência socialista enquanto o país passava por uma guerra civil que durou até 2002. Em setembro de 2017, passou o poder para seu indicado, João Lourenço

Jacky Naegelen - 30.abr.2008/Reuters

Zine El Abidine Ben Ali, o primeiro ditador derrubado pela Primavera Árabe
Zine El Abidine Ben Ali - Tunísia (1987-2011)
Chegou ao poder por meio de um golpe não-violento contra o então presidente Habib Bourguiba, de quem era primeiro ministro. Acusado de violações de direitos humanos, renunciou durante a Primavera Árabe, em 2011, e fugiu para a Arábia Saudita, onde vive até hoje

1º.set.2009 - Xinhua/Imago/Fotoarena   

O ex-ditador da Líbia, Muammar Gaddafi, assiste a desfile militar em Trípoli, em 2009
Muammar Gaddafi - Líbia (1969-2011)
Governou a Líbia por 42 anos, após um sangrento golpe militar levá-lo ao poder em 1969. Implantou uma ditadura de ares socialistas e matou milhares de opositores. Foi assassinado por rebeldes em 2011, em meio à Primavera Árabe

Tarek el Gabbas - 26.abr.2014/Associated Press   

O ex-ditador egípcio Hosni Mubarak em julgamento sobre sua ação ao reprimir manifestações no Cairo
Hosni Mubarak - Egito (1981-2011)
Era vice do presidente Anwar Sadat, assassinado em 1981. Assumiu o poder e implementou uma ditadura militar marcada pela corrupção e pela repressão aos opositores. Foi forçado a renunciar em 2011, em meio aos protestos da Primavera Árabe que tomaram o Cairo

Associated Press   

O ex-ditador de Uganda, Idi Amin, um dos mais sanguinários da África
Idi Amin - Uganda (1971-1979)
Assumiu após um golpe militar e liderou a mais sangrenta ditadura do continente. Estima-se que os mortos por seu regime cheguem a 500 mil. Fugiu do país durante a guerra com a Tanzânia, buscou refúgio na Líbia e depois na Arábia Saudita, onde morreu em 2003

Michel Clément - 20.set.1982/AFP   

O ex-ditador da Guiné, Sékou Touré, em foto de 1982
Sékou Touré - Guiné (1958-1984)
Primeiro presidente eleito da Guiné, em 1958, baniu todos os partidos políticos exceto o seu. Acusado de diversos casos de execuções extrajudiciais, morreu em 1984 após sofrer um ataque cardíaco

Carley Petesch - 30.mai.2016/Associated Press   

O ex-ditador do Chade, Hissène Habré, durante julgamento em Dacar, no Senegal
Hissène Habré - Chade (1982-1990)
Depôs o recém-eleito presidente Oueddei em 1982 e liderou um regime acusado de matar 40 mil opositores e torturar 200 mil pessoas em oito anos. Foi deposto pelo seu ex-comandante das Forças Armadas, Idriss Déby, que governa o Chade até hoje

RIA Novosti   

O ex-ditador da Guiné Equatorial, Francisco Macías Nguema
Francisco Macías Nguema - Guiné Equatorial (1968-1979)
Primeiro presidente do país, executou membros da própria família, ordenou a morte de vilarejos inteiros e proibiu que os cidadãos deixassem o país. Foi deposto pelo próprio sobrinho, Teodoro Obiang Nguema, que condenou o tio ao fuzilamento por genocídio

Issouf Sanogo/AFP   

O ex-ditador nigeriano Sani Abacha durante fórum econômico em Abuja
Sani Abacha - Nigéria (1993-1998)
Chegou ao poder depois que a eleição de 1993 foi anulada. Derrubou a inflação e aumentou as reservas do país, mas violou direitos humanos e aprisionou grande parte dos opositores. Morreu em 1998 no palácio presidencial em circunstâncias não esclarecidas

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DITADORES ATUAIS
Os líderes autoritários que continuam no poder na África

Rebecca Blackwell - 1º.jul.2011/Associated Press   

O ditador da Guiné Equatorial Teodoro Obiang Nguema Mbasogo (centro)
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo - Guiné Equatorial (desde 1979)
Derrubou o próprio tio, o ditador Francisco Macías Nguema, e implementou uma ditadura de partido único com um culto à própria personalidade; já indicou um filho como sucessor, mas diz não ter planos para deixar o poder

Wang Ying - 22.set.2017/Xinhua   

O ditador de Camarões Paul Biya durante discurso na ONU
Paul Biya - Camarões (desde 1982)
Após substituir Ahmadou Ahidjo, seu aliado, como presidente, sofreu uma tentativa de golpe em 1984 que o fez aumentar a repressão contra a oposição e implementar uma ditadura que permanece até hoje

Thomas Mukoya - 18.fev.2011/Reuters   

O ditador de Uganda Yoweri Museveni em foto de 2011
Yoweri Museveni - Uganda (desde 1986)
Virou presidente após participar de uma rebelião contra o então ditador Milton Obote.No início, chegou a tomar medidas de caráter democrático, mas desde 2005 fez reformas para consolidar o poder e reprimir a oposição

Mohamed Khidir - 7.nov.2017/Xinhua   

Omar al-Bashir, do Sudão, durante entrevista em Cartum, na capital do país
Omar al-Bashir - Sudão (desde 1989)
Comandou um golpe militar que derrubou o premiê eleito democraticamente Sadiq al-Mahd. É acusado de uma série de crimes contra a humanidade pelos massacres e estupros coletivos cometidos pelo Exército em Darfur, no sul do país

Chen Yichen - 28.ago.2017/Xinhua

Idriss Déby, ditador do Chade, durante conferência em Paris, na França
Idriss Déby - Chade (desde 1990)
Com apoio da Líbia de Muammar Gaddafi, comandou uma campanha militar que derrubou o então ditador Hissène Habré e implementou um regime autoritário, com eleições consideradas fraudulentas pela comunidade internacional

ONU aprova resolução para reforçar combate a trabalho escravo

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937114-onu-aprova-resolucao-para-reforcar-combate-a-trabalho-escravo.shtml

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
DE SÃO PAULO

21/11/2017  20h01

O Conselho de Segurança da ONU aprovou nesta terça-feira (21) resolução exortando os países a intensificarem o combate ao tráfico de pessoas e trabalho escravo.

A resolução vem na esteira de vídeo divulgado pela rede de TV CNN, mostrando a "venda" de migrantes africanos na Líbia. O vídeo desencadeou uma onda de protestos em frente a embaixadas e nas redes sociais.

A resolução insta os países a adotarem leis mais duras de combate ao tráfico, intensificarem investigações para desbaratar as redes de tráfico e oferecerem mais apoio aos sobreviventes de escravidão.

"Evitar as situações que levam ao tráfico significa abordar a pobreza e a exclusão", disse o português António Guterres, secretário-geral da ONU.

"Nos últimos dias, todos nós ficamos horrorizados com imagens de migrantes africanos sendo vendidos como 'produtos' na Líbia; é nossa responsabilidade coletiva acabar com esses crimes."

O vídeo veiculado pela CNN mostra dois homens de pé enquanto um 'leiloeiro' anuncia os lances, e, aparentemente, vende os jovens, descritos como "meninos grandes e fortes para trabalhar na roça", por US$ 400 (R$ 1.300) cada um.

Após a divulgação do vídeo, artistas, jogadores de futebol e autoridades da ONU lançaram apelos para o combate à escravidão. Manifestantes fizeram protestos em frente às embaixadas da Líbia em Paris, Bamako (Mali), e Conacri (Guiné). Uma manifestação em Londres está marcada para domingo. Nesta terça-feira, o governo de Burkina Fasso chamou para consultas seu embaixador na Líbia, em protesto.

A resolução da ONU pede também mais cooperação entre os países e o uso de tecnologia para enfrentar essa atividade criminosa, que gera cerca de US$ 150 bilhões por ano.

De acordo com relatório divulgado em setembro deste ano pela Organização Internacional para Migração (OIM) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), há 25 milhões de pessoas no mundo submetidas a trabalho forçado, sendo 16 milhões no setor privado e o restante, obrigados pelo Estado a trabalhar.

O levantamento aponta que 59% são mulheres e 19% têm menos de 17 anos. Em média, essas pessoas ficam 20,5 meses cativas antes de conseguirem fugir ou serem libertadas.

Líderes africanos e europeus vão se reunir na Costa do Marfim na semana que vem para discutir migração e tráfico de pessoas.

Em fevereiro passado a Europa fechou um acordo com a Líbia para estancar o fluxo de refugiados, mas não abordou o problema do trabalho escravo. O número de migrantes chegando à Itália caiu 20% —foram 132.043 entre janeiro e setembro de 2016, e 105.418 no mesmo período neste ano.

Mas uma das consequências foi o crescimento do número de migrantes empacados na Líbia, criando um excesso de potenciais passageiros nas mãos dos traficantes. Muitos estariam "vendendo" os migrantes.

A reportagem da Folha esteve na Líbia em julho de 2016 e testemunhou as condições precárias dos centros de detenção de migrantes e as multidões de africanos oferecendo seus serviços em praças.

São jovens que se aglomeram nas rotatórias, esperando que os contratem para um dia de trabalho. Cada um leva seu instrumento para identificar o serviço que oferece —demolidores com martelos, pintores com rolos.

CAOS

Após a derrubada do ditador Muammar Gaddafi, em 2011, o país viveu uma breve paz e depois mergulhou no caos. Hoje, tem três governos, guerra civil, fronteiras sem fiscalização e impunidade para os traficantes de pessoas.

Para completar, a Líbia está cercada por nações da África subsaariana com massas de jovens subempregados, ávidos pela oportunidade de emigrar para a Europa.

Estima-se que exista cerca de 1 milhão de imigrantes ilegais na Líbia, juntando dinheiro para enviar a suas famílias ou para pagar entre US$ 1.000 e US$ 2.000 a um atravessador e pegar o barco para a Itália.

Funcionários da OIM documentaram o surgimento de mercados de escravos, onde migrantes detidos por traficantes de pessoas são vendidos, a não ser que suas famílias paguem resgate.

"Várias pessoas me relataram essas histórias horríveis. Eles confirmam o risco de serem vendidos como escravos em garagens em Sabha, pelos motoristas ou por líbios que recrutam os migrantes para um dia de trabalho, frequentemente em construção. No fim do dia, em vez de pagar o migrante por seu trabalho, eles o vendem", relatou um funcionário da OIM no Niger.

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Que sirva de lição, diz ganhador do Nobel sobre situação de Mugabe

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936886-que-sirva-de-licao-diz-ganhador-do-nobel-sobre-situacao-de-mugabe.shtml

FERNANDA CANOFRE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PORTO ALEGRE

21/11/2017  02h00

Wole Soyinka não sabia como marcar a celebração pela possível aproximação do fim da era Robert Mugabe na Presidência do Zimbábue. Uma das vozes a denunciar as violações do regime que durou 37 anos, o escritor nigeriano espera pela notícia há anos.

No último sábado (18), em Porto Alegre, ao receber o título de doutor honoris causa concedido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ele disse que havia encontrado ali o palco certo para comemorar.

Aos 82 anos, o autor de "O Leão e A Joia", que se tornou o primeiro africano negro a receber o Nobel de Literatura em 1986, exibe barba e cabelos brancos.

Soyinka, que deve participar em 2018 da Bienal do Mercosul, na capital gaúcha, conversou com a reportagem sobre a crise política mais recente na África. Justificou também a decisão de deixar os Estados Unidos após a vitória de Donald Trump.

"Tirano" e "desgraça" foram algumas das definições usadas pelo escritor nigeriano para se referir ao governo Mugabe. Ele se diz contrário à intervenção militar que busca forçar o ditador a renunciar. Os regimes, na visão de Soyinka, devem ser mudados de maneira pacífica.

"Mas o povo do Zimbábue tentou várias vezes fazer isso, e Mugabe usou métodos militaristas, por décadas, para matar a oposição, atacar e destruir até mesmo seus antigos aliados", lembra o escritor.

"No que me diz respeito, alguém assim traiu o propósito coletivo da libertação. Ele merece o que receber agora."

RECADO À AFRICA

O efeito na África da provável saída de Mugabe será, na avaliação do escritor, o de deixar "uma lição para [os governantes] que ainda tentam se agarrar ao poder".

"Incluindo aqueles que mentem para si mesmos, que chegaram ao poder por meios democráticos, mas hoje são piores e mais brutais que muitos ditadores militares."

Como destinatários potenciais da "lição", o Nobel citou o presidente do Togo, Faure Gnassingbé, que sucedeu o pai e "tem feito um governo brutal". "Há outros que ainda fingem ser democratas, mas veremos o que acontece a eles."

Soyinka se disse preocupado com a possibilidade de que houvesse uma passagem de bastão entre Mugabe e sua mulher, Grace, cerca de 40 anos mais nova.

"Pensei: 'Algo tem que acontecer, pelo amor de Deus'. Saímos da cultura de dinastias, na África, por que isso tem que ser ressuscitado? É obsceno, é pornográfico, isso deve morrer."

O escritor diz esperar que os países africanos se inspirem em exemplos positivos de combate à corrupção. Citou a Coreia do Sul e a deposição da presidente Park Geun-hye.

"Politicamente, em todo o mundo, tem de haver o entendimento de que certos indivíduos chegaram à custódia do poder. Eles não são donos do poder, nem representam-no", afirma Soyinka.

TRUMP

Em janeiro, depois de anos vivendo nos Estados Unidos, ele cumpriu a promessa de rasgar seu greencard e deixar o país.

O escritor simplesmente se negou a viver em um país presidido por Donald Trump.

"Foi algo pessoal. Eu lido com essa luta, como pessoa negra, desde que era estudante na Inglaterra [nos anos 1950]. Eu visitava os EUA, acompanhava o movimento pelos direitos civis."

Traição é a palavra a que ele recorre para descrever o sentimento despertado pela vitória do republicano.

"Senti que a diáspora de lá traiu a si mesma e foi traída. A traição não foi pessoal, mas de toda uma comunidade que permitiu que alguém cuja linguagem e políticas eram xenófobas fosse eleito".

Na época, o nigeriano lembra que perguntava aos colegas como poderiam tratar aquela vitória como trivial. "É assim que demagogos chegam ao topo, com a cumplicidade dos outros."

"Eu disse que rasgaria meu greencard se ele fosse eleito e assim o fiz. Ainda vou aos EUA, mas como visitante. Não queria mais fazer parte daquela comunidade. Simples assim".

Mugabe renuncia à Presidência do Zimbábue; ex-vice deve assumir

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936964-mugabe-renuncia-a-presidencia-do-zimbabue-e-deixa-o-poder-apos-37-anos.shtml

DE SÃO PAULO

21/11/2017  14h05 - Atualizado às 23h07

O ditador do Zimbábue, Robert Mugabe, 93, apresentou nesta terça-feira (21) sua renúncia à Presidência do país, dando fim a um dos regimes autoritários mais longevos da história da África pós-colonial –foram 37 anos.

A saída aconteceu depois de uma semana de levante militar, provocado pela decisão do agora ex-mandatário de depor seu vice, Emmerson Mnangagwa, 75, para favorecer sua mulher, Grace, 52, no que seria sua futura sucessão.

A comunicação da renúncia foi feita por meio de carta ao Parlamento, um dia após a Casa dominada pelo partido que criou, a União Nacional Africana Zimbabuana (Zanu-PF), decidir abrir processo de impeachment contra Mugabe.

"Minha decisão de renunciar é voluntária e vem da minha preocupação com o bem-estar do povo do Zimbábue. Meu desejo é de uma transferência de poder tranquila e não violenta", diz, na carta.

Coube ao presidente do Parlamento, Jacob Mudenda, dar a notícia na sessão que abriria o julgamento político. Na sequência, o impeachment foi cancelado, e parte dos deputados dançou para comemorar a queda.

Mudenda afirmou que o Parlamento agora vai concluir o procedimento legal necessário para a transição e disse esperar que o novo governo assuma o país até a quarta-feira (22).

A expectativa é que Mnangagwa, apoiado pelos militares, tome o lugar de Mugabe, que não indicou um sucessor em sua carta. O secretário jurídico do Zanu-PF, Patrick Chinamasa, disse à Reuters que ele deve ser empossado nas próximas 48 horas, quando chegar ao país.

Um outro membro da legenda entrevistado pela agência de notícias informou que o vice completará o atual mandato do ditador, que terminaria em setembro de 2018 –data para a qual estão marcadas eleições.

Em nota divulgada antes de Mugabe ceder o poder, Mnangagwa afirmou que todos os zimbabuanos devem trabalhar juntos para que o país avance. "A nação não deveria nunca mais ficar refém de uma pessoa, cujo desejo é morrer no cargo custe o que custar para a nação."

A renúncia foi celebrada com festa na capital do país, Harare. Durante toda a noite, moradores da cidade buzinavam e dançavam, em uma manifestação que seria improvável durante o regime.

"Essa mudança veio tarde. Tomara que ela traga mais empregos", disse à Associated Press Thomas Manase, 23, desempregado recém-formado no ensino superior.

TRANSIÇÃO

Com 93 anos, o ditador foi afastado do comando do país no dia 15, quando os militares detiveram-no, junto com a primeira-dama, Grace.

A partir de então, ele passou a ser pressionado pelos militares e antigos aliados, incluindo o próprio Mnangagwa, a apresentar sua renúncia, o que tinha se negado a fazer até esta terça.

O Zanu-PF destituiu Mugabe da presidência da sigla no domingo (19) e deu até segunda (20) para que ele se afastasse do comando do país. Com sua recusa em pronunciamento, foi deslanchado o processo de impeachment.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, comemorou a renúncia e disse que o ato permite ao Zimbábue "abrir um caminho livre da opressão". O país foi uma colônia do Reino Unido até a independência oficial, em 1980.

Atentado suicida em mesquita na Nigéria deixa ao menos 50 mortos

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936902-atentado-suicida-em-mesquita-na-nigeria-deixa-mortos.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

21/11/2017  09h17

Um atentado suicida a bomba matou ao menos 50 pessoas em uma mesquita no nordeste da Nigéria nesta terça-feira (21), em uma área que enfrenta a ameaça do grupo terrorista islâmico Boko Haram. O autor seria um adolescente, segundo a polícia local.

O ataque foi na cidade de Mubi, no Estado de Adamawa, que já foi controlado pelo Boko Haram, expulso da região em 2015. O grupo costuma atacar locais com grande concentração de pessoas, como mesquitas e feiras.

O grupo costuma usar adolescentes ou jovens mulheres como autoras dos ataques suicidas, algumas das quais haviam sido previamente sequestradas.

O ataque desta terça é o maior desde que 56 pessoas foram mortas em dezembro de 2016 por duas garotas-bomba suicidas em uma feira.

A campanha do grupo Boko Haram na região já matou cerca de 20 mil pessoas e forçou o deslocamento de 2 milhões desde 2009.

Em outubro, um ataque a bomba usando dois caminhões deixou mais de 300 mortos em Mogadício, capital da Somália. Os atentados foram atribuídos ao grupo Al-Shabaab, ligado à Al-Qaeda.

Presidente iraniano diz que Estado Islâmico foi derrotado

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936906-presidente-iraniano-diz-que-estado-islamico-foi-derrotado.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

21/11/2017  09h36

O presidente do Irã, Hassan Rowhani, declarou o fim do Estado Islâmico nesta terça-feira (21), enquanto a Rússia disse que o confronto na Síria está perto do fim.

"Com a ajuda de Deus e a resistência das pessoas na região, hoje podemos dizer que este mal foi retirado da mente das pessoas ou foi bastante reduzido", disse Rowhani em pronunciamento transmitido pela televisão estatal. "É claro que alguns combatentes irão continuar, mas a fundação e as raízes foram destruídas."

O general Qassem Soleimani, da Guarda Revolucionária do Irã, também declarou o fim do Estado Islâmico em mensagem enviada ao líder supremo do país nesta terça-feira, que foi publicada no site de notícias da força, o Sepah News.

Vídeos e fotos de Soleimani, que comanda o braço da Guarda Revolucionária responsável pelas operações fora do Irã, na linha de frente de batalhas contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria têm sido publicados frequentemente pela mídia iraniana nos últimos anos.

Também nesta terça, o chefe do Estado-Maior do exército russo, Valeri Guerasimov, disse que "fase ativa da operação militar" na Síria, onde o Exército russo intervém em apoio ao regime de Bashar al-Assad, está perto de terminar.

"Embora reste toda uma série de problemas, esta etapa chega à sua conclusão lógica", declarou ele durante uma reunião na cidade russa de Sochi com líderes militares do Irã e da Turquia. Na quarta, haverá um encontro entre os presidentes dos três países na cidade.

As declarações de Rússia e Irã são um novo revés para o Estado Islâmico, que já perdeu a maior parte do território que chegou a ter na Síria e no Iraque. Nos últimos meses, foram retomadas as principais cidades da região, como Deir Ezzor e Raqqa, na Síria, e Al-Qaim e Mossul, no Iraque.

O grupo atualmente está presente em apenas em algumas áreas afastadas e já não controla nenhuma cidade na região.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

ONU pede investigação como crime contra humanidade de leilão de negros

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936804-onu-pede-investigacao-como-crime-contra-humanidade-de-leilao-de-negros.shtml

DA AFP, EM NOVA YORK

20/11/2017  19h31

O secretário-geral da ONU, o português António Guterres, disse nesta segunda-feira (20) que devem ser investigados como crime contra a humanidade os leilões de migrantes africanos negros como escravos na Líbia.

O comércio no país africano foi revelado na semana passada pela rede de televisão CNN, em que homens negros são apresentados a compradores como mão de obra para o campo e acabam vendidos por US$ 400 (R$ 1.300)

"A escravidão não tem cabimento em nosso mundo e está entre os mais atrozes abusos de direitos humanos e podem constituir crimes contra a humanidade", afirmou Guterres, que disse ter ficado horrorizado com as imagens.

No domingo (19), o vice-primeiro-ministro do governo líbio reconhecido pela ONU, Ahmed Metig, disse que investigará o caso. As autoridades também foram pressionadas por outros líderes africanos para acabarem com os leilões.

O presidente da Guiné, Alpha Condé, se referiu às imagens como "comércio depreciável, de outra era". O governo do Senegal expressou sua "indignação" e o líder do Níger, Mahamadu Issufu, pediu que façam "tudo o que for possível para deter essa prática".

Em vídeo na CNN, leilão vende jovens negros na Líbia por R$ 1.300

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/nelsondesa/2017/11/1936679-em-video-na-cnn-leilao-vende-jovens-negros-na-libia-por-r-1300.shtml

20/11/2017  02h00
Por Nelson de Sá

Em destaque na CNN desde o final da última semana, a reportagem "Pessoas à venda: Onde as vidas são leiloadas por US$ 400" reproduz em vídeo gravado por celular um leilão de imigrantes negros, realizado no mês de agosto, na Líbia.

"800... 900... 1.000... 1.000", fala o leiloeiro, acima. Os dois jovens não identificados, "meninos grandes e fortes para trabalhar em fazenda", foram vendidos por 1.200 dinares, cerca de R$ 2.600, R$ 1.300 cada um.

O canal de notícias mobilizou quatro repórteres na Líbia para confirmar a autenticidade do vídeo e encontrar dois dos jovens escravos. Com medo, eles se recusaram a falar.

A CNN informou depois que "autoridades líbias" abriram investigação, mas o país está em guerra civil.

BBC e outros repercutiram, ouvindo do presidente da União Africana que a organização "usará todas as ferramentas à sua disposição para acabar" com o "comércio desprezível, de uma outra era".

'ÇA, C'EST UN TRUC DE NOIR'

Publicada por franceses como a revista "Le Point", a agência France Presse despachou longa reportagem com o enunciado "As desigualdades raciais minam o mito de um Brasil mestiço", marcando o Dia da Consciência Negra. No final, registrou, sobre William Waack:

— Semana passada, um famoso apresentador de TV foi suspenso. Irritado por uma buzina, ele escorregou, sarcástico: "Isso é coisa de preto".

Justiça do Quênia confirma reeleição de presidente após volta da violência

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936733-justica-do-quenia-confirma-reeleicao-de-presidente-apos-volta-da-violencia.shtml

DA AFP

20/11/2017  11h21

A Suprema Corte do Quênia validou nesta segunda-feira (20) por unanimidade a reeleição do presidente Uhuru Kenyatta nas eleições de 26 de outubro, organizadas depois da anulação pela Justiça da votação de agosto e boicotadas por seu adversário, Raila Odinga.

A decisão tenta colocar um fim na crise política que atinge o país desde o cancelamento da primeira rodada das eleições e que já deixou 52 mortos, sendo três na última sexta-feira (17).

O tribunal, o mesmo que cancelou a eleição de 8 de agosto por irregularidades no pleito, considerou que os recursos apresentados pela oposição não tinham fundamento.

Com isso, Kenyatta, 56, no poder desde 2013, deve tomar posse em 28 de novembro para um novo mandato de cinco anos.

A decisão coloca fim a um controvertido processo eleitoral que dividiu profundamente o país e afetou a economia da região.

Mas isso não significa o fim da crise. Depois de duas semanas de calma, a tensão aumentou na sexta, com a morte de três pessoas baleadas durante uma manifestação da oposição reprimida pela polícia de Nairóbi.

Na repetição das eleições em outubro, Kenyatta obteve 98% dos votos, com uma participação muito baixa de 39%.

A oposição reclamou da falta de transparência das eleições e pelo fato de que quatro condados do oeste do país, redutos opositores, não participaram da votação.

A crise política foi marcada pela violência e deixou 52 mortos desde 8 de agosto.

domingo, 19 de novembro de 2017

Epidemia de opiáceos já começa a alterar paisagem urbana nos EUA

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1935775-declinio-devido-a-globalizacao-nao-representa-fim-dos-estados-nacao.shtml

SILAS MARTÍ
DE NOVA YORK

19/11/2017  02h00

No meio das folhas amontoadas na grama, uma cor mais forte chama a atenção. O laranja flúor de centenas de capinhas de agulha na ponta de cada seringa destoa da paisagem do bosque como um estranho sinal de alerta.

"Isso aqui estava limpo, mas olha só agora", apontava Clara Cardelle, enquanto recolhia os tubinhos do chão do Highbridge. O parque no extremo norte de Manhattan é um dos pontos de Nova York mais afetados pelo vício em opiáceos. "Este é o lugar aonde as pessoas vêm para usar."

Ela, que injeta heroína uma ou duas vezes por dia e agora trabalha num grupo de tratamento a viciados, tem os olhos treinados para escanear a mata em busca das seringas. Mas também tem lembranças de outra cor ainda muito frescas na memória.

"Ele estava azul, azul, azul. E a barriga dele nem se mexia. Estava morrendo", conta, sobre um amigo que socorreu quando ele parou de respirar por causa de uma overdose. "A ambulância demorou uns 15 minutos para chegar. Salvei a vida dele."

Debaixo da ponte que leva ao distrito do Bronx, estão barracas e caixas de papelão. É um dos refúgios daqueles que, como o amigo de Cardelle, fogem de suas casas na hora de usar as drogas que mataram pelo menos 53,3 mil americanos no ano passado —1.374 deles de overdose só na maior metrópole do país.

Quando a chamada crise dos opioides entrou para o vocabulário americano, o vício em analgésicos à base dessas substâncias, entre eles Percocet, Vicodyn e OxyContin, era coisa de brancos em zonas rurais que viraram escravos de comprimidos que usavam com receita médica.

Muitos deles poderiam se enquadrar no perfil do eleitor típico do presidente Donald Trump, que classificou a epidemia como emergência de saúde pública nacional há pouco menos de um mês.

Mas, cada vez mais e com potência cada vez maior, os opioides entraram para o mercado ilegal e passaram a se tornar também um drama urbano. Pontos de Nova York, como o Harlem, o Bronx e Staten Island, onde viciados são em grande parte negros e hispânicos, vêm engrossando as estatísticas dessa epidemia.

CADÁVERES

Os primeiros sinais de que a coisa havia saído do controle não foram só montes de seringas por todos os cantos. Corpos vêm sendo encontrados em banheiros públicos, apartamentos, abrigos de sem-teto e parques urbanos —baixas de uma guerra que já deixou de ser silenciosa.

"Essa crise atravessa todo o espectro demográfico e geográfico", diz Bridget Brennan, chefe da agência de combate a narcóticos da cidade. "Nova York virou um centro de importação e distribuição de drogas para todo o nordeste dos Estados Unidos. Daqui nós temos uma visão privilegiada do problema."

E essa não é uma vista bonita. Nos últimos três anos, o volume de heroína apreendido na cidade quadruplicou. Mais grave ainda, o total confiscado de fentanila, droga 50 vezes mais potente que a heroína, saltou de 16 para 117 quilos do ano passado até outubro deste ano.

Não parece muito numa cidade de 8,5 milhões de habitantes, mas 12 minúsculos grãos da substância podem matar uma pessoa. Fentanila pura e outros opiáceos, como tranquilizantes de elefante e rinoceronte, são vendidos em saquinhos de US$ 5 nas esquinas do Bronx.

"Uma pessoa morre de overdose aqui a cada sete horas", dizia Liz Evans, diretora do Washington Heights Corner Project, um misto de clínica e café onde viciados podem descansar quando estiverem sob o efeito da droga.

Numa sala cheia de espreguiçadeiras com vista para a paisagem fuliginosa do Bronx, enfermeiros de plantão monitoram cada um deles para evitar overdoses ali.

Eles também ensinam como testar as drogas que compram na rua para descobrir sua potência verdadeira e grau de perigo, já que muitas vezes substâncias são vendidas disfarçadas de outras —a polícia, por exemplo, já apreendeu comprimidos falsificados que eram pura fentanila.

"Ninguém nunca morreu no nosso banheiro", dizia Jesse Reid, um dos voluntários de olho no entra e sai da clínica, que atende mais de 5.000 pessoas a cada mês.

Sob a guarda dele, uma mulher cochilava num canto e um grupo de rapazes conversava perto do balcão onde atendentes distribuem seringas novas de graça. Pôsteres nas paredes dão dicas como nunca compartilhar agulhas e sempre buscar usar veias diferentes na hora de injetar.

Mesmo que a lei americana não permita que ninguém use drogas ali, centros como esse se tornaram a coisa mais próxima em solo americano de experimentos de tratamento com injeção assistida testados na Europa e no Canadá, ao norte da fronteira.

Evans, a diretora do espaço, conta que a ideia do lugar era não converter viciados à força, mas evitar que ainda mais mortes ocorressem.

"Essas pessoas tinham medo de ser presas, por isso elas não procuravam ajuda", diz. "Muitos sentem que precisam se esconder, ser invisíveis."

Na África, queda dos longevos Mugabe e Santos entusiasmam

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936518-na-africa-queda-dos-longevos-mugabe-e-santos-entusiasmam.shtml

ANÁLISE

MATHIAS ALENCASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

19/11/2017  02h10

Zimbábue e Angola passam por transformações profundas e inesperadas.

No primeiro, bastou um desfile de tanques e alguns disparos perto da residência oficial para destituir Robert Mugabe, 93, no poder desde 1980. No segundo, João Lourenço, 63, o sucessor de José Eduardo dos Santos, 75, precisou de apenas 50 dias para iniciar o desmantelamento da estrutura de poder familiar do antecessor, que capturou o Estado por quase 30 anos.

O Zimbábue de Mugabe era uma ditadura inequívoca. As últimas presidenciais, em 2012, foram uma farsa repleta de fraudes e violência.

A Angola de Santos era uma democracia de fachada. O governo gastou US$ 60 milhões na campanha presidencial de 2012, orquestrada pelo marqueteiro João Santana e financiada em parte pela Odebrecht, para legitimar o regime aos olhos da comunidade internacional.

Mugabe nunca se importou de ser visto como tirano. Santos foi sempre cioso da imagem. Ambos integravam o clube restrito de ditadores longevos da África. Tiveram papel irrisório na luta pela independência de seus países, mas se colocavam como líderes da geração que libertou o continente do jugo colonial.

Apesar de ter adotado o mantra Marxista-Leninista nos anos 1980, Santos preservou os interesses das multinacionais petroleiras. Numa ironia da história, militares cubanos a serviço do regime pró-soviético de Santos chegaram a defender zonas petrolíferas angolanas controladas por empresas americanas dos ataques dos rebeldes pró-americanos da Unita, comandada por Jonas Savimbi.

No fim dos anos 1990, Mugabe, para consolidar seu poder, acelerou o confisco das fazendas dos antigos colonos britânicos, essenciais para a produção agrícola do Zimbábue, um celeiro da África.

A medida levou ao colapso produtivo, e a inflação atingiu 24.000%. Em 2008, o caos econômico se somou à repressão brutal nas eleições. Governos ocidentais impuseram sanções, e Mugabe virou símbolo da degeneração dos regimes pós-coloniais.

Já Santos aproveitou o fim da guerra civil em 2002 e a decolagem das commodities para lançar um faraônico projeto de reconstrução nacional. Maior exportador de petróleo para a China e primeiro parceiro do Brasil na África, Angola virou símbolo do alegado renascimento africano.

Embora os dois regimes projetassem imagens distintas, poucos duvidavam que o modo de operar era similar.

Santos e Mugabe promoviam quadros dos respectivos partidos, MPLA e Zanu-PF, para controlarem as alavancas do Estado, e cooptavam serviços de segurança e militares pela conversão de senhores de guerra em empresários. A corrupção servia para se perpetuarem no poder.

SUCESSÃO

Os destinos de Santos e Mugabe voltaram a se cruzar.

Em 2014, o preço do petróleo despencou, Angola mergulhou numa crise inédita, e Santos foi obrigado a acelerar os planos para a sucessão.

No Zimbábue, os militares começaram, na surdina, a debater a transição politica, apesar de Mugabe assegurar que iria continuar governando mesmo após os cem anos.

Santos optou pela saída negociada. Em agosto, após outra eleição de fachada, cedeu o poder ao general João Lourenço em troca da manutenção da filha Isabel na presidência da petrolífera estatal Sonangol e do filho Filomeno no comando do Fundo Soberano de Angola, dotado de US$ 5 bilhões.

Mugabe foi pelo caminho oposto. Despreocupado com os sentimentos dos dirigentes políticos e militares, tentou emplacar sua mulher, Grace, 52, como sucessora.

Ambos descobriram na semana passada que os regimes autoritários são estáveis, até o dia em que se tornam totalmente imprevisíveis.

Numa demonstração de força inesperada, João Lourenço expulsou do governo a família do antecessor. Após quase quatro décadas acatando as decisões de Mugabe, o Exército decidiu frear a sucessão familiar e pôs o presidente em prisão domiciliar.

É cedo para entender se o novo presidente está mudando o modo de governar em Angola ou se a junta militar no Zimbábue apoiará eleições livres. Mas, após décadas de platitude autoritária, é impossível não se entusiasmar.

O fracasso dos dois em perpetuar seu poder é um alerta para outros governantes.

Jacob Zuma, presidente da África do Sul desde 2009, lançou Nkosazana Dlamini-Zuma, sua ex-mulher, para presidência do partido no poder, o ANC. A disputa, em dezembro, é a última chance para a legenda de Nelson Mandela (1918-2013) tomar um caminho diferente dos demais partidos políticos oriundos dos movimentos de libertação.

Se a África do Sul se livrar da tentativa do seu presidente de se agarrar ao poder, 2017 pode ficar na história como ponto de virada na luta pela democracia na África Austral.

Mugabe faz discurso na TV e não anuncia renúncia

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936636-mugabe-faz-discurso-na-tv-e-nao-anuncia-renuncia.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

19/11/2017  18h21 - Atualizado às 20h12

Cercado por militares, o presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, discursou em uma rede de televisão neste domingo (19) e afirmou que presidirá o próximo congresso partidário. Mugabe não anunciou sua renúncia ao cargo, como haviam antecipado fontes próximas ao chefe de Estado.

"O congresso [do partido governista Zanu-PF] deve ser realizado nas próximas semanas e eu vou presidir os debates", disse o ditador de 93 anos, que está sendo pressionado pelo Exército, pelas ruas e por seu partido para que renuncie.

No sábado, as ruas da capital Harare foram tomadas por manifestações pedindo a renúncia daquele que foi herói na luta pela independência e hoje é um ditador -e que na última semana perdeu consideravelmente seus apoios.

Pouco antes do discurso na TV, Mugabe havia sido destituído do cargo de presidente de seu próprio partido, o governista Zanu-PF, e substituído pelo ex-vice-presidente Emmerson Manangagwa.

O partido deu ainda até o meio-dia desta segunda (20) para que Mugabe renunciasse ao cargo de presidente ou enfrentasse então um impeachment.

"Estou sabendo das últimas movimentações do partido [Zanu-PF]", disse Mugabe no discurso. É compreensível, mas eles não podem se guiar pela amargura."

"Precisamos aprender a perdoar, a resolver as contradições em espírito de companheirismo", acrescentou.

"A era da vitimização e das decisões arbitrárias devem ficar para trás", disse Mugabe.

Mangagwa foi anunciado como candidato às eleições presidenciais previstas para 2018. A primeira-dama do Zimbábue, Grace Mugabe, que tinha ambições presidenciais, também foi expulsa do Zanu-PF.

"A mulher [de Mugabe] e outros se aproveitaram de uma situação delicada para usurpar o poder e saquear recursos do Estado", disse um dos porta-vozes do partido, Obert Mpofu, após a reunião.

Os veteranos da guerra da independência do Zimbábue também haviam pedido a renúncia do presidente neste domingo.

A intervenção do Exército é um marco no longo mandato de Mugabe, marcado pela repressão de qualquer tipo de oposição e uma grave crise econômica. Cerca de 90% da população está desempregada.

O mais veterano chefe de Estado do mundo está cada vez mais solitário, desde que foi abandonado pelo Exército, pelo partido e pelos veteranos de guerra.

Na madrugada da última quarta-feira, o Exército interveio em Harare, a capital, em apoio a Emmerson Mnangagwa, o vice-presidente destituído por Mugabe uma semana antes.

O Exército colocou o presidente sob prisão domiciliar, apesar de ter autorização para fazer alguns deslocamentos.

Mugabe, que deixou o país pouco depois de sua destituição, voltou ao Zimbábue na quinta-feira.

Mugabe é destituído de seu próprio partido e tem ultimato para renunciar

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936585-no-poder-desde-1980-robert-mugabe-recebe-ultimato-para-renunciar.shtml

DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS

19/11/2017  11h54

O presidente do Zimbábue, Robert Mugabe, 93, foi destituído do cargo de presidente de seu próprio partido, o governista Zanu-PF, e substituído pelo ex-vice-presidente Emmerson Manangagwa, neste domingo (19).

O partido deu ainda a Mugabe até o meio-dia desta segunda (20) para renunciar ao cargo de presidente ou enfrentar um impeachment.

Mnangagwa deverá liderar um novo governo após sua eleição formal como chefe do partido no poder no próximo mês. Manangagwa igualmente foi nomeado candidato às eleições presidenciais previstas para 2018.

No sábado (18), milhares foram às ruas da capital, Harare, para pedir a saída de Mugabe do poder.

"O camarada Robert Mugabe deve se demitir da presidência do Zimbábue e, se não fizer isso até segunda ao meio dia (...) o presidente do Parlamento iniciará o procedimento de destituição", declarou o porta-voz do Zanu-PF, Simon Khaye Moyo, depois de uma reunião de emergência do partido em Harare para discutir a profunda crise política do país.

"O camarada Emmerson Mnangagwa foi eleito presidente e primeiro secretário do Zanu-PF e designado candidato do partido às eleições gerais de 2018", declarou Moyo.

A primeira-dama do Zimbábue, Grace Mugabe, também foi expulsa do Zanu-PF.

"Grace está na lista de personalidades que vão ser excluídas do partido", informou o porta-voz do Zanu-PF.

"A mulher [de Mugabe] e outros se aproveitaram da delicada situação para usurpar o poder e saquear os recursos do Estado", afirmou, por sua vez, outro dirigente do partido, Obert Mpofu.

Ainda neste domingo Mugabe deve se reunir com os militares que assumiram o controle no país e o colocaram em prisão domiciliar. O objetivo dos militares é igualmente que o idoso presidente apresente sua renúncia.

SEM ALIADOS

Pela manhã, os veteranos de guerra da independência do Zimbábue pediram igualmente a renúncia de Mugabe.

"Ele deveria renunciar. Se não fizer, isso, o exército deve terminar logo com ele", afirmou o chefe da poderosa associação de veteranos de guerra, Chris Mutsvangwa, horas antes da reunião de Mugabe com os militares.

Este partido político foi até agora um aliado fiel de Mugabe, de 93 anos, mas desde que o Exército tomou o controle do país, afirma que o presidente deveria se "aposentar para descansar como homem de Estado idoso que é".

Isso acontece um dia depois que milhares de manifestantes saíram às ruas de Harare para pedir que o presidente Robert Mugabe, cada vez mais abandonado por seus aliados, deixe o poder, em uma mobilização apoiada pelo Exército.

Estas manifestações contra Mugabe, que começaram de forma pacífica na manhã de sábado, encerram uma semana de crise política sem precedentes no Zimbábue, onde as Forças Armadas tomaram o controle do país e colocaram em prisão domiciliar o chefe de Estado no poder desde 1980.

A intervenção do Exército representa uma guinada no longo reinado de Mugabe, marcado pela repressão de qualquer oposição e uma grave crise econômica.

Sumiço de submarino argentino lembra tragédia russa de 2000

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1936598-sumico-de-submarino-argentino-lembra-tragedia-russa-de-2000.shtml

DE SÃO PAULO

19/11/2017  14h49

O desaparecimento do submarino argentino com 44 tripulantes, cujo último contato aconteceu na quarta (15), evoca uma tragédia ocorrida no ano 2000 na Rússia.

Na época, o submarino nuclear Kursk sofreu uma explosão no seu compartimento de armas e afundou no mar de Barents (oceano Ártico) matando os 118 tripulantes –o caso é até hoje figura entre os piores acidentes subaquáticos do mundo.

O Kursk, então considerado um orgulho e "indestrutível" pelos russos, era equipado com 24 mísseis de cruzeiro Granit. Ele zarpou em 10, naufragou no dia 12 e foi localizado a 108 metros de profundidade na madrugada de 13 agosto. A tragédia aconteceu quatro meses após a posse do presidente Vladimir Putin, que foi muito criticado por não ter interrompido suas férias quando soube do ocorrido.

Dezessete anos depois, o caso ainda é cercado de dúvidas. Uma investigação oficial disse que um torpedo explodiu dentro do submarino, mas não conseguiu descobrir por que isso aconteceu.

Na época, os militares levaram vários dias para divulgar ao público a gravidade do acidente, prolongando a agonia dos parentes das vítimas. Todos os marinheiros morreram, a maioria por asfixia. Como se soube graças a um bilhete deixado pelo tripulante Dmitri Kolesnikov, 23 pessoas ainda sobreviveram por várias horas após a explosão.

"13h15. Todo o pessoal dos compartimentos seis, sete e oito passou para o nove. Somos 23. Tomamos esta decisão por causa do acidente. Ninguém pode subir", diz o texto do bilhete, sem precisar se a palavra subir se referia à superfície ou simplesmente a um nível superior do submarino.

Em seguida, com uma letra pouco legível, estão assinaladas as cifras "13, 5" e a menção "escrevo por tato", o que entendeu-se que os marinheiros estavam na mais completa escuridão.

O governo russo passou mais de uma semana tentando uma operação para resgatar os tripulantes do submarino. Temia-se um acidente parecido com o de Chernobyl por se tratar de um submarino nuclear. Diversos países ofereceram ajuda que a Rússia foi reticente em aceitar já que a embarcação continha tecnologia e segredos militares.

A indecisão e a demora deixaram uma imagem de "incompetência" das autoridades, segundo relatos da imprensa na época.

Nas buscas buscas, o governo identificou 115 tripulantes, mas três corpos foram considerados irrecuperáveis.

RESGATE

O submarino Kursk, que possuía 154 metros de comprimento e quase 20 mil toneladas de peso, foi içado em outubro de 2001, mais de um ano depois de seu naufrágio. A retirada da embarcação do fundo do mar durou pouco mais de 15 horas e foi feita pela companhia holandesa Mammoet.

Após o ocorrido, o então procurador-geral da Rússia, Vladimir Ustinov, publicou um livro, intitulado "Kursk" com a versão oficial da tragédia.

Um filme com a história do Kursk começou a ser rodado no começo do ano, mas ainda não há previsão de lançamento. O longa é dirigido por Thomas Vinterberg e conta com Matthias Schoenaerts, Colin Firth e Léa Seydoux no elenco.

OUTROS ACIDENTES COM SUBMARINOS RUSSOS

Julho de 1961 - O capitão e sete membros da tripulação morreram quando radiação vazou do primeiro submarino nuclear da União Soviética. Um tubo do sistema de controle dos dois reatores havia se rompido.

8-10 de março de 1968 - O submarino soviético do tipo Golf II (a classificação é da Otan - Organização do Tratado do Atlântico Norte), a diesel, que carregava três mísseis do tipo SS-N-5, afundou no Pacífico. O submarino K-219 também poderia estar carregando dois torpedos nucleares.

12 de abril de 1970 - O submarino nuclear Novembro afundou no Oceano Atlântico, próximo à Espanha. O submarino k-8 estava equipado de dois reatores nucleares e carregava dois torpedos.

8 de setembro de 1977 - O submarino Delta 1 bateu acidentalmente num ogiva de míssil na península de Kamchatka, no nordeste do país.

10 de agosto de 1985 - Uma explosão devastou a Shkotovo 22, uma plataforma de consertos de navios e serviços de abastecimento nuclear da Marinha soviética. Dez pessoas morreram. Muitas morreram depois, por terem ficado expostas à radiação.

6 de outubro de 1986 - O submarino nuclear Yankee, que carregava 16 mísseis SS-N, cada um com duas ogivas, além de dois torpedos nucleares, naufragou a cerca de 1.000 quilômetros ao nordeste das Bermudas.

7 de abril de 1989 - O submarino nuclear Mike afundou no norte da Noruega, matando 42 pessoas depois de um incêndio a bordo. O Komsomolets estava carregando dois torpedos nucleares.

27 de setembro de 1991 - Durante exercícios de treinamento a bordo do submarino Typhoon no mar Branco (norte do país), um míssil errou o alvo. O submarino, armado com mísseis nucleares e torpedos, retornou à base com segurança.

20 de março de 1993 - O submarino nuclear Delta 3, que carregava mísseis balísticos e operava no mar Barents (norte do país), foi atingido pelo submarino nuclear norte-americano Grayling. Ambos voltaram para as suas bases.

sábado, 18 de novembro de 2017

COP do clima termina com avanços, mas deixa grandes decisões para 2018

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2017/11/1936455-cop-do-clima-termina-com-avancos-mas-deixa-grandes-decisoes-para-2018.shtml

ANA CAROLINA AMARAL
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BONN (ALEMANHA)

18/11/2017  12h12

Sem contar com o protagonismo dos Estados Unidos e sob a presidência de Fiji, a COP-23, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, reviveu as tensões entre os países em desenvolvimento e o bloco dos desenvolvidos.

O evento, que reuniu delegações de mais de 190 países, teve duas semanas de brigas para evitar retrocessos nos compromissos para redução de emissões e financiamento das ações climáticas, sobrando pouco espaço para conquistas. As negociações mais duras acabaram ficando para a COP do ano que vem, na Polônia.

No último dia, Fiji buscou garantir a formalização do fundo de adaptação aos efeitos das mudanças climáticas no âmbito do Acordo de Paris, o que estendeu a conferência até as 4h da manhã deste sábado (17). Além do fundo, a COP aprovou o formato do diálogo que, ao longo do ano que vem, deve encorajar os países a aumentar a ambição nas suas metas climáticas.

Enquanto os EUA são o maior responsável histórico pelas emissões de carbono no mundo, Fiji figurou neste ano entre os três países mais vulneráveis aos efeitos da mudança, de acordo com o ranking da German Watch.

Junto ao grupo das pequenas ilhas, a presidência da COP-23 queria aumentar a ambição nas metas nacionais e o comprometimento com fundos para adaptação ao clima e compensação por perdas e danos.
Mas a ausência americana contribuiu para o receio e a desconfiança dos países em melhorar seus compromissos.

Segundo um dos negociadores ouvidos pela reportagem, os países estão fazendo suas contribuições ainda sob a expectativa de que os Estados Unidos voltem para o Acordo de Paris. Ele compara a situação com alguém que, depois de um jantar caro, não aparece para pagar a conta. "Estamos pagando por ele, mas esperando que ele volte com a carteira", diz.

Devido ao clima de apreensão e às incertezas, alguns movimentos externos às negociações foram frontalmente combatidos pelos países em desenvolvimento, que perceberam tentativas de retrocesso no compromisso das nações desenvolvidas.

PROTOCOLO DE KYOTO

Durante a conferência, delegações como a brasileira foram contundentes ao exigir que os países ratificassem nos seus parlamentos a segunda fase do Protocolo de Kyoto. A extensão do primeiro pacto climático precisa ser aprovada para que o mundo não fique sem nenhum acordo até 2020, quando o Acordo de Paris passa a vigorar.

Embora o protocolo esteja prestes a expirar e sua aprovação tenha pouco efeito prático sobre as emissões de carbono, os países em desenvolvimento passaram um recado claro aos desenvolvidos: a diferença histórica de responsabilidades pelo clima prevista em Kyoto está valendo.

Ela inclui a obrigação dos desenvolvidos em reduzir emissões e também em financiar as ações climáticas dos países em desenvolvimento. Como resultado, a ONU deverá cobrar dos países a ratificação do Protocolo de Kyoto e, em 2019, um relatório comprovando as ações nacionais.

Outra briga que ocupou os diplomatas na COP-23 também veio de fora da agenda das negociações: trata-se dos critérios de financiamento usados pelos fundos de apoio às ações climáticas, como o Fundo Verde do Clima, financiado pelos países desenvolvidos.

Segundo o critério do Banco Mundial, apenas países de baixa renda podem receber doações, enquanto a ajuda a países de renda média deve se dar por empréstimo. A tentativa de importar o conceito do mundo financeiro para os fundos do clima irritou os países em desenvolvimento.

Calculado a partir do PIB per capita, o critério do Banco Mundial permitiria apenas ao Haiti, dentre todos os países da América Latina, receber apoio financeiro para ações climáticas.

"O conceito inviabilizaria o cumprimento dos compromissos climáticos dos países em desenvolvimento", acusou o negociador-chefe do Brasil, o embaixador Antônio Marcondes. Na quinta-feira, os países conseguiram aprovar um documento que garante acesso ao Fundo Verde do Clima para todos os países em desenvolvimento.

Diplomatas de diferentes blocos consideraram o tímido progresso em itens técnicos –como o monitoramento das metas de redução– suficiente para que a regulamentação do Acordo de Paris seja concluída dentro do prazo, no ano que vem.

A presidência de Fiji ainda foi considerada bem sucedida por conseguir avançar nas agendas sociais do Acordo de Paris, com planos sobre educação, gênero e participação dos povos indígenas no contexto das mudanças climáticas.

MERKEL E MACRON

Discursaram na conferência mais de 130 ministros de meio ambiente, incluindo o brasileiro, Sarney Filho, além de 25 chefes de Estado. Sem o protagonismo americano, as atenções dos mais de 20 mil participantes se voltaram para a chanceler alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, Emmanuel Macron.

"Nós sabemos da nossa responsabilidade aqui, ainda usamos muito carvão", admitiu Merkel, que desapontou o público ao não apresentar um plano para a transição energética. "Mesmo em um país rico como a Alemanha esses conflitos precisam ser resolvidos de maneira calma e confiável", justificou.

Já o presidente francês tentou trazer otimismo para o evento climático. Anunciou que deverá cobrir a ausência de financiamento americano para o IPCC, o painel científico da ONU sobre mudanças climáticas, com € 2 milhões anuais. "Proponho que a Europa substitua a América e a França vai cumprir o desafio".

Como Barack Obama fez em 2015, Macron defendeu a precificação do carbono como caminho para incentivar o mercado em direção a uma economia mais limpa. E foi além, sugerindo que a emissão de carbono seja considerada nos acordos de comércio internacional. "Não deveríamos ter livre comércio com países menos ambiciosos que nós, pois isso reduziria nossa ambição coletiva", provocou o francês.