Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/11/1937216-ex-vice-de-mugabe-usou-discricao-para-chegar-ao-poder-no-zimbabue.shtml
DA REUTERS
22/11/2017 07h00
Quando o líder zimbabuano Robert Mugabe, 93, destituiu seu vice-presidente diante de gritos de aprovação da parte de 12 mil membros de seu partido, em 2014, Emmerson Mnangagwa, 75, sentado discretamente em meio aos espectadores e usando com um boné de beisebol com a aba puxada para baixo, manteve a reserva.
O homem que mais tinha a ganhar com a destituição não deixou que aquilo que sentia transparecesse, e se limitou a aplaudir gentilmente, mantendo uma expressão neutra —uma tática de sobrevivência aperfeiçoada ao longo de suas cinco décadas de serviços ao temperamental ditador. Mas o boné que ele usava revelava muita coisa.
Inscritas na parte frontal, ao lado de uma efígie de Mugabe, havia quatro palavras: "Indigenizar, Empoderar, Desenvolver, Empregar" —um slogan da União Nacional Africana Zimbabuana (ZANU-PF), o partido governante do Zimbábue. Naquele dia, ele se tornou o vice.
Mnangagwa, cuja destituição do posto este mês causou a explosão da crise política no Zimbábue, agora está se preparando para assumir a presidência, depois da renúncia de Mugabe na terça-feira, que pôs fim a quase quatro décadas de poder.
Mnangagwa deve ser empossado até quinta (23), disse Patrick Chinamasa, secretário legal do ZANU-PF, à Reuters. Chinamasa, que lidera a bancada do partido no Legislativo, disse que o vice completaria o mandato de Mugabe até a eleição presidencial de setembro de 2018.
Mas há questões sobre a maneira pela qual Mnangagwa governará o país, liderado por Mugabe desde a independência, em 1980.
Em uma declaração divulgada de seu local de esconderijo, na terça-feira (21), Mnangagwa afirmou que os zimbabuanos de todas as áreas precisam trabalhar juntos para reconstruir a economia dilapidada e uma sociedade profundamente polarizada.
"Meu desejo é unir todo os zimbabuanos em uma nova era, na qual corrupção, incompetência, descumprimento do dever e indolência, e decadência social e cultural, não sejam tolerados", ele afirmou.
"Nesse novo Zimbábue, é importante que todos se deem as mãos para que possamos reconstruir a nação em sua plena glória. Esse não é uma tarefa apenas para o ZANU-PF, mas para todo o povo do Zimbábue".
ALTA CONFIANÇA
Mnangagwa era um dos subordinados de maior confiança de Mugabe, tendo se mantido ao lado do líder na prisão, na guerra e no governo. Com sua indicação em 2014 para o posto de vice-presidente, ele parecia bem posicionado para se tornar o sucessor do mais velho dos chefes de Estado africanos.
"Não há argumento sobre suas credenciais para oferecer liderança forte e estabilidade, mas há questões sobre sua capacidade de democracia", disse Eldred Masunungure, professor de ciência política na Universidade do Zimbábue.
Falando ao Legislativo em 2014, Mnangagwa reforçou a mensagem que exibia no boné, anunciando revisões nos estatutos do ZANU-PF que davam ao Estado "total propriedade e controle" dos recursos naturais do país.
Foi uma percepção importante sobre a forma de vida que o partido estava contemplando depois da partida de Mugabe. "Continuaremos para sempre donos de nosso destino", disse o vice, sob aplausos dos espectadores.
Ao longo do caminho, ele ganhou o apelido "Ngwena", palavra que significa "crocodilo" no idioma shona —um animal famoso no Zimbábue por sua capacidade de se manter oculto e por sua ação implacável.
Ele apoiou o nacionalismo econômico de Mugabe, especialmente a campanha para forçar empresas estrangeiras a vender participações majoritárias a moradores negros locais, o que sugere que pode não ser o líder pragmático e simpático ao livre mercado que muitos investidores esperavam.
Mnangagwa fez parte de todos os governos do Zimbábue desde a independência, em posições muito variadas, ocupando os ministérios da Segurança, Defesa e Finanças e servindo como presidente do Legislativo.
Um dos aspectos mais controversos de sua carreira é que ele estava no comando da segurança interna do país na metade dos anos 80, quando Mugabe usou uma brigada de elite treinada por norte-coreanos para combater rebeldes leais ao seu rival Joshua Nkomo.
Organizações de defesa dos direitos humanos afirmam que 20 mil civis, a maioria dos quais da tribo ndebele, foram mortos na campanha. O ditador nega um genocídio ou crimes contra a humanidade, mas admitiu que o ocorrido foi "um momento de loucura".
O papel de Mnangagwa no episódio continua envolto em mistério, o que é típico de um operador político treinado como guerrilheiro comunista na China dos anos 60, e que se sempre se manteve nas sombras por trás de Mugabe.
Discreto e insular, ele prefere operar abaixo do radar, dizem pessoas que o conhecem bem, e, se acuado recorre a brincadeiras e conversa genérica para evitar discussões sérias.
"Eu não diria que ele é dissimulado, mas é correto afirmar que sua posição padrão é a de brincar e tentar mudar de assunto fazendo inúmeras perguntas, quando está diante de questões desagradáveis", disse um legislador próximo a Mnangagwa.
"Ele tem muita consciência de que sua imagem pública é a de um homem da linha dura, mas sua personalidade é muito mais complexa —um sujeito agradável, e um ótimo contador de casos", disse o político, que vem de Midlands, a província de origem de Mnangagwa.
INDICAÇÃO PÓS-EXPURGO
A indicação dele como vice-presidente veio um dia depois que seu predecessor Joice Mujuru foi demitido por supostamente planejar a derrubada de Mugabe.
Perguntado se o expurgo enfraqueceria o partido, Mnangagwa respondeu, sorrindo, que "a revolução sempre encontra maneiras de se reforçar. Passa por ciclos e esse é outro ciclo no qual ela se livra de elementos que agora se tornaram incompatíveis com a linha correta".
Ele aprendeu sobre política na prisão, nos anos 60, depois de ser sentenciado à morte pelas autoridades britânicas, por sabotagem. Ele foi capturado quando era parte de uma das primeiras unidades de guerrilha que combatiam o domínio colonial branco sobre a então Rodésia.
Só escapou da forca porque tinha 19 anos e uma lei proibia que condenados com menos de 21 anos de idade fossem executados.
Depois de uma década na prisão, por boa parte do tempo dividindo a cela com Mugabe, Mnangagwa se tornou assistente pessoal do líder da luta pela libertação, e mais tarde comandou o temido serviço de segurança do movimento guerrilheiro.
Em janeiro, uma foto na mídia local o mostrava tomando uma bebida com um amigo; em suas mãos, uma grande caneca portava a inscrição "I'm the Boss" (Sou o chefe, em inglês).
Para os partidários de Mugabe isso representava praticamente uma traição. Eles passaram a suspeitar que Mnangagwa se via ocupando o posto do líder em breve.
Quando o ditador o destituiu da vice-presidência este mês por mostrar "traços de deslealdade", ele tirou de cena um possível sucessor que também era um de seus últimos camaradas da guerra de libertação que ainda estava no poder.
Mas o relacionamento entre os dois já tinha esfriado, depois que aliados de Mnangagwa deram a entender, em abril, que ele havia sido envenenado por um sorvete produzido por uma empresa de laticínios controlada pelos Mugabe.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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