segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Como entender os protestos no Irã?

Fonte: https://www.cartacapital.com.br/revista/985/como-entender-os-protestos-no-ira

por Antonio Luiz M. C. Costa — publicado 08/01/2018 00h24, última modificação 05/01/2018 17h00

Existem analogias entre os protestos do Irã em 2018 e os do Brasil em 2013

Analistas internacionais têm comparado os atuais protestos no Irã com os protestos de 2009 contra a reeleição de Mahmoud Ahmadinejad, com os protestos da Primavera Árabe de 2011 ou mesmo com a revolução iraniana de 1979, que derrubou a monarquia e inaugurou a atual república islâmica. Para um brasileiro, saltam mais aos olhos, porém, as analogias com as chamadas jornadas de junho de 2013.

Assim como no Brasil, os protestos começaram sem liderança ou objetivo claro, em resposta a um mal-estar social e econômico, à desigualdade e à percepção de que as principais forças políticas – no caso do Irã, os conservadores encabeçados pelo aiatolá e líder supremo Ali Khamenei e os reformistas cuja referência é o presidente Hassan Rouhani – ignoram suas aflições e desperdiçam recursos com projetos alheios aos seus interesses. Desta vez, não a reforma e construção de estádios, mas com as guerras no Iraque e na Síria.

A semelhança estende-se à composição heteróclita das manifestações, nas quais parecem estar presentes tanto palavras de ordem esquerdistas ou liberais quanto conservadoras, monarquistas e fascistas. Houve mesmo uma tentativa da oposição conservadora de incitar os protestos e fazer uso deles para abrir seu caminho de volta ao governo, mas neste ponto as histórias divergem, pois esse setor logo parece ter percebido ter-se tornado alvo das manifestações e ouvido as advertências de Rouhani de que “estão todos no mesmo barco”.

Os protestos começaram em 28 de dezembro em Mashhad, cidade histórica e santuário religioso declarado “capital espiritual” do país em 2009. O imame (líder das orações da sexta-feira) declarou no mesmo dia que os manifestantes tinham o direito a estar descontentes e o governo deveria se envergonhar de como dirigiu a economia nas últimas décadas.

Os protestos e o discurso do clérigo foram divulgados pelas agências oficiosas Tasnim e Fars, aliadas do clero ultraconservador e da Guarda Revolucionária, o que não prova que as manifestações tenham sido provocadas por esses setores, mas sim que estes viam como principal alvo o desempenho econômico do governo de Rouhani, reeleito no ano passado.

O desemprego caiu em 2013-2014 e voltou a crescer nos últimos anos (o dado mais recente é 12,6%, chegando a 29,2% entre os jovens) e a inflação, que atingia um pico de 40% nesses anos e depois caiu, voltou a subir em 2017 (9,6%) e os preços de certos produtos – notadamente ovos, por um surto de gripe aviária – tiveram um salto conjuntural recente.

O Irã passou por momentos piores, mas desta vez há muita frustração de expectativas pela falta da melhora da economia prometida pelo presidente, como resultado do acordo nuclear fechado em julho de 2015 e a consequente suspensão das sanções. Em parte, isso se deve aos baixos preços do petróleo, em parte ao virtual rompimento do acordo por Donald Trump, que tem se esforçado por restaurar as sanções e isolar o país. Ao mesmo tempo, a população sente-se explorada pelos bancos e vê a elite enriquecer em meio às suas aflições e dificuldades.

A linha dura tem usado esse mau desempenho como argumento contra o esforço de liberalização e abertura para o Ocidente, para eles um entrave inútil ao desenvolvimento de tecnologia nuclear e militar e acreditou que as massas aderiam às suas teses. Mas já no dia seguinte ficou claro que boa parte dos protestos não é apenas sobre preços e economia, mas contra a própria República Islâmica.
Cartazes com o retrato do aiatolá Khamenei foram arrancados e ouvidos gritos de “morte ao ditador” a ele dirigidos.

Ouviu-se também “vamos embora da Síria, pensemos em nós”, alusão à intervenção da Guarda Revolucionária no país, vitoriosa, mas vista como causa de problemas econômicos. O vice-presidente Eshaq Jahangiri disse que entendia as queixas, mas “algo aconteceu nos bastidores” e “o tiro saiu pela culatra”. A linha dura entendeu e sua mídia passou a condenar os protestos como contrarrevolucionários e dirigidos do exterior.

Embora isso não baste para explicá-los, há de fato menos incitações nas redes sociais vindas do próprio país do que do exterior, notadamente da Arábia Saudita e da diáspora iraniana no Ocidente. Isso inclui o jornalista exilado Roohollah Zam, cuja agência foi banida pela rede russa Telegram por exortar os manifestantes a usar armas e coquetéis Molotov. Mesmo assim, a Telegram foi bloqueada no Irã por recusar suspender outras contas que celebravam mais pacificamente os protestos.

Destes participam, de um lado, o proscrito partido Tudeh (comunista), que exortou seus seguidores a “aumentar sua presença e fornecer slogans adequados e orientação sensata às massas”, e os estudantes de Teerã, em geral liberais, tomaram parte, embora “intrigados” com a difusão repentina do movimento.

Por outro, ouviram-se lemas monarquistas, e mesmo neofascistas, como “somos da raça ariana, não adoramos árabes”, com os quais se ameaça não só a política externa, como também a unidade desse país de muitas minorias, inclusive a árabe. Estas pouco se manifestaram: a maioria dos protestos foi em cidades persas.

Dadas as restrições a jornalistas estrangeiros, é difícil avaliar as reais dimensões das manifestações. Parecem muito espalhadas, mas menores que as de 2009, quando a Guarda Revolucionária rapidamente interveio. Apesar de alguns manifestantes recorrerem a ataques armados a bases policiais e militares, o governo reagiu de forma relativamente contida e preferiu convocar manifestações em apoio ao regime.

Só na quarta-feira 3 a Guarda Revolucionária foi mobilizada para três províncias (Hamadan, Isfahan e Lorestan). Houve, até aqui, 20 mortes entre manifestantes, 2 entre agentes da repressão e pelo menos 550 detenções. É cedo para dizer como o movimento evoluirá, mas é provável que, quanto mais Trump ou outros líderes ocidentais disserem publicamente que o apoiam, mais contribuirão para desmoralizá-lo e justificar uma repressão mais violenta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário